Na academia de ginástica em que as protagonistas se conhecem, há diversas frases motivacionais, correspondentes àquelas que, hoje em dia, são propagadas pelos 'coaches'. Uma delas chama a atenção pela contundência em relação à progressiva transformação fisiológica de Jackie (Katy O'Brian): "dor é a fraqueza saindo de seu corpo". De fato, os inúmeros 'close-ups' de suas veias em ebulição servem como prenúncio para a sua gigantificação, no desfecho, algo que, no jargão dos fisiculturistas midiáticos, funciona como um chamamento: "deixem o monstro sair"!
Como a diretora britânica Rose Glass iniciou a sua carreira com um longa-metragem de terror, ela manipula com habilidade as convenções deste gênero: a fotografia em tons rubros possui instantes mui assustadores, sobretudo nos 'flashbacks' e/ou alucinações que invadem o idílio erótico das personagens femininas. Kristen Stewart, acostumada a interpretar personagens emocionalmente carentes, oferta-nos uma personificação intensa em seus ciclos de insegurança, enquanto Katy O'Brian fascina-nos pela postura inversa, ostentando uma crença exacerbada nas possibilidades de modificação de seu próprio corpo, ratificando, mais uma vez, o que ela lê nas paredes da academia...
Em suas aparições como um criador de besouros que lidera o tráfico local de drogas, Ed Harris está tão bizarro quanto aterrador, e o roteiro (co-escrito pela diretora e por Weronika Tofilska) desenrola um cabedal de situações desastradas, que seriam cômicas se não fossem sobremaneira trágicas. Vide o que ocorre à irmã da personagem Lou, interpretada por Jena Malone, continuamente espancada e traída por seu marido JJ (Dave Franco), mas, ainda assim, obcecada por ele. Os recursos maneiristas da direção possuem muitos pontos em comum com o estilo de Nicolas Winding Refn, tanto quanto a trilha musical, repleta de sintetizadores, de Clint Mansell. A ambientação oitentista é excelente!
Em certos aspectos, a maneira como quase tudo naquela cidade gira em torno de apenas quatro ou cinco personagens confere uma tônica teatral ao desenrolar dos acontecimentos, mas é algo que não incomoda por completo: afinal, o enredo sabe converter em deflagrador de tesão a tendência renitente dos personagens aos erros e crimes impulsivos, sendo as cenas de violência impressionantes na maneira irascível com que elas irrompem. A dúbia reconciliação que acompanhamos na derradeira seqüência, imageticamente induzida por alucinógenos, corrobora o elã passional da narrativa, que possui um instante tão poético quanto repugnante, que é aquele em que, num delírio, Jackie imagina estar vomitando Lou, num casulo similar aos das larvas de besouros que o pai dela cria. São vários os monstros que vêm à tona neste registro interiorano de caracteres tipicamente estadunidenses. Gratíssima surpresa, faz jus ao seu título!
Wesley Pereira de Castro.
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