A fim de ser justo em relação aos méritos femininos deste filme, convém esquecer, por alguns instantes, que ele é a adaptação daquela que talvez seja a obra-prima da escritora Clarice Lispector [1920-1977]. Entretanto, o seu maior chamariz é justamente ser derivado de "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres", publicado em 1969. Nos créditos finais, a diretora resolve parcialmente o problema: trata-se de uma "adaptação livre", sendo justificadas as translações contemporâneas e classistas do enredo. Funciona? Sim e não. Como a vida, às vezes...
Não obstante o sumo existencialismo da obra original, o roteiro deste filme demora a assumir a sua verve melancólica. Como tal, a protagonista vivida por Simone Spoladore também demora a angariar empatia por parte do espectador: no início, seus valores pequeno-burgueses e sua inconstância comportamental (leia-se: sexual) são signos insuficientes de seus devaneios e desamparo. A montagem um tanto incoesa realça esta aparência: os momentos que mostram Lorelei em sala de aula não se coadunam muito bem com o restante de seu cotidiano. E a péssima composição dos personagens masculinos prejudica bastante a pretensa sinestesia do filme: é difícil dispor-se a sentir o que a protagonista sente quando ela envolve-se voluntariamente com homens tão desenxabidos. Javier Drolas, por exemplo, fica refém das barreiras idiomáticas: está inexpressivo! A toxicidade de seu Ulisses tem pouco a ver com a docente inspiração original...
Como a ênfase publicitária do filme está em sua feminilidade, enfatizemos estes aspectos: depois que o irmão da protagonista (mal-interpretado por Felipe Rocha) sai de cena, redimensionamos o despertencimento familiar de Lóri, que não se sente rica nem amada. A vida é, para ela, um automatismo, que desemboca na sexualidade desenfreada, obviamente. Que não satisfaz. Após a transa um tanto automática com o atraente colega Carlos (Gabriel Stauffer), a personagem vomita compulsivamente. E, se ele é um ótimo consertador de pias, não a escuta, não preocupa-se com o que ela sente. Culpa dele? Culpa dela? Culpa do filme? Culpa da sociedade machista, obviamente.
Da metade do filme em diante, a trilha musical de Edson Secco torna-se mais evidente, a fim de promover maior imersão emocional por parte do espectador. Os diálogos advindos do livro passam a ser literais, ainda que proferidos em contextos distintos. O inusitado (e inconvincente) final feliz que o diga! Entretanto, a diretora é consciente da fragilidade - e dificuldade - da adaptação, de maneira que preferiu seguir um rumo narrativo mui pessoal, o que é deveras lícito. As cenas derradeiras, por exemplo, estendem-se, até os créditos de encerramento. Os dois pontos, à guisa de provocadora (in)conclusão, são reiterados, utilizados de maneira ostensiva, ocupando toda a tela. É um filme esforçado, portanto: encontrará alento em parte disposta de seu público. Ainda que o resultado geral seja irregular, pela abordagem audaciosa, a diretora e roteirista é merecedora de aplausos!
Wesley Pereira de Castro.
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