segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Kinoforum: OLHOS LIVRES (2021, de Fábio Rogério)


Nove anos após o falecimento do imortal Carlos Oscar Reichenbach Filho [1945-2012], qualquer homenagem que seja produzida acerca de sua obra ainda é muitíssimo necessária. Ao invés de optar pela estratégia enciclopédica - válida, em mais de um sentido - o curta-metragista sergipano prefere reencarnar o diretor a quem presta reverência: no afã por demonstrar que "o desejo é um elemento fundamental em minha dramaturgia", testemunhamos seqüências de diversos filmes, que confirmam, na prática, este anseio do cineasta; como exortação imagética de que "utopia é vanguarda, utopia é vida", deparamo-nos com o próprio olhar reichenbachiano, em interpretação poética no longa-metragem "Avanti Popolo" (2012, de Michael Wahrmann). O espírito lúbrico de protesto permanece vivo!


Recomendado sobretudo a quem já possua familiaridade em relação ao universo do diretor, que faz jus à alcunha contida no título - aproveitando as palavras de um manifesto inventivo do crítico Jairo Ferreira [1945-2003] -, este curta-metragem também serve como posfácio apaixonado a uma das mais ricas filmografias do cinema brasileiro: em seus trabalhos extremamente pessoais, Carlos Reichenbach uniu cinefilia e anarquismo, numa versatilidade multifuncional que beneficia-se do apreço deste realizador pela Música, herdada de seu pai. Como tal, as contribuições de Alessandro Santana - em seu projeto Música das Cinzas - na trilha sonora são mui assertivas, enquanto ferramenta concatenadora da sinestesia militante deste curta-metragem...


Indo dos píncaros expressivos de obras-primas como "O Império do Desejo" (1980) e "Filme Demência" (1985) às profecias antibolsonaristas de "Garotas do ABC" (2003) - que encontra no personagem vilanaz de Selton Mello um proferidor de jargões excludentes como "o Brasil acima de tudo" - os trechos fílmicos que são reaproveitados neste documentário de montagem recebem nova envergadura discursiva, ao demonstrarem tanto a genialidade de seu idealizador quanto a possibilidade de enfrentamento às censuras diuturnas da extrema-direita política. O compêndio de cenas de nudez (principalmente masculina) apresentado, os gritos do poeta Orlando Parolini [1936-1991] e os berros de vitalidade que emanam do magistral "Alma Corsária" (1993) são apenas alguns dos aspectos certeiramente selecionados por Fábio Rogério, que redimensiona os variegados créditos reichenbachianos e as suas participações em filmes de outros diretores. Temos um continuador em atividade?


Wesley Pereira de Castro. 

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