Sinopticamente, este filme estréia num momento sobremaneira oportuno da História do Brasil, visto que a guinada neoliberal que o roteiro aborda encontra um momento de piora na conjuntura protofascista atual: se a situação econômica do país já era preocupante no final da década de 1990, quando ocorreram as privatizações de diversas empresas estatais, em 2021, lidamos com um retrocesso que é também moral, que flerta com a reinstitucionalização da Censura. Neste sentido, a temática do filme é providencial - enquanto advertência - para uma sensação coletiva de fracasso que instala-se a largos passos, com o apoio de parte considerável da população. Entretanto, apesar das boas intenções, o filme vagueia em torno de maus sentimentos que não são devidamente aproveitados nem em seu viés político-discursivo nem em seu potencial dramatúrgico...
Chico Diaz demonstra a competência habitual em sua entrega actancial ao personagem-título, assim apelidado por conta de três situações comportamentalmente relacionadas: o encontro com um felino num passeio infantil pela floresta, a sagacidade de suas posturas empresariais e o surgimento de manchas de vitiligo em sua pele. Amante da natureza, o protagonista Pedro percebe-se gradualmente sufocado pela lógica dos negócios, pelas decisões indecorosas advindas de ordens multinacionais que não podem se questionadas. Numa seqüência deveras sintomática, ele discute com a sua filha, numa mesa de jantar, por causa das opiniões docentes que ela repete, no que tange à legitimação do neoliberalismo como estratégia de sobrevivência nacional. Nem mesmo os cafeeiros resistem a isso!
Se, por um lado, o ritmo lento do filme designa certa elegância no tratamento dos dilemas do personagem central, por outro, o roteiro elíptico aproveita de maneira insuficiente as mudanças de época: exceto por um instante de extrema melancolia, em que Pedro queda imóvel diante da televisão, depois que é obrigado a aposentar-se contra a sua vontade, as diferenças de convívio entre as duas esposas (Sílvia Buarque e Bianca Byington, em ordem cronológica) são apresentadas através de generalizações quase estereotípicas. O tom percuciente anunciado pelas imagens jornalísticas dos protestos de abertura recaem numa espécie de amnésia consoladora, em que o refúgio de Pedro no campo tem mais a ver com o medo de enfrentar a realidade que com o anseio ecológico que balizava algumas de suas posturas empregatícias. Ao final, a execução de "Molambo" (na voz inconfundível de Maria Bethânia) assume o aspecto de uma autocrítica involuntária: o filme expôs-se ao desprezo de todos nós. Talvez não mereça ser tão defenestrado assim: ao menos, ele tentou...
Wesley Pereira de Castro.
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