terça-feira, 17 de agosto de 2021

Festival de Gramado 2021: A PRIMEIRA MORTE DE JOANA (2021, de Cristiane Oliveira)


Em dado momento, a protagonista Joana (Letícia Kacperski) reclama que está sentindo dores recorrentes no joelho, demonstrando que adquiriu uma espécie de hipocondria somatizada, ao identificar-se com os mistérios de uma tia recém-falecida. Adolescente introspectiva de uma cidade pequena do interior gaúcho, ela insiste em perquirir os motivos de sua parenta ter morrido vitalina, visto que ninguém a viu com nenhum namorado. Sua avó é taxativa quanto ao diagnóstico: "o que tu estás sentindo são dores de crescimento". É a metáfora fisiológico-existencial que conduz o enredo até o seu desfecho anticlimático... 


Não obstante ser tecnicamente aplaudível, este filme deixa-nos com a impressão de enfado: afinal, a trama desenrola-se morosamente e é tudo muito óbvio, sobremaneira evidente. Trata-se de uma descoberta periclitante do amor lésbico, na perspectiva tímida da adolescência rural. Fica-se torcendo para que Joana declare seu amor pela amiga Carolina (Isabela Bressane), mas tudo ocorre num ritmo anacrônico, lentíssimo. Exemplo: a mãe de uma das personagens, ao chegar da Alemanha, menciona que ainda utiliza constantemente o Orkut. Seu modo de encarar a maturação da filha é igualmente deslocado no tempo: ela despe-se com naturalidade à beira de um córrego, mas desaprova a homossexualidade da garota. 


O grande problema do filme, portanto, está na imiscuição desse tipo de julgamento moral: o roteiro escandaliza-se com o que - hoje, sobretudo - é bastante comum. A ponto de recorrer a uma trilha musical de umbanda na cena em que Joana masturba-se pensando na melhor amiga. O que é absolutamente natural é apresentado como indecoroso. Noutras palavras: o filme soa desenxabido, ainda que bem-feitinho, narrado com uma cautela excessiva, sendo mui gracioso em seus intentos românticos... Fosse lançado na década de 1980, talvez se tornasse um filme de culto entre as moçoilas incompreendidas, mas, na conjuntura cultural hodierna, informativamente pornográfica, periga ser rapidamente esquecido. Que nem uma comida nutritiva, porém insossa. 


Wesley Pereira de Castro. 




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