quarta-feira, 6 de agosto de 2025

PACTO DA VIOLA (2024, de Guilherme Bacalhao)

 

Urdido sob a perspectiva desorientada do protagonista Alex (Wellington Abreu), que tem o seu laivo de deslocamento enfatizado desde a primeira aparição, quando lava o sangue dos bois que assassina num matadouro, o roteiro deste filme é balizado por uma tendência à simplificação, seja na maneira romantizada/espalhafatosa com que são apresentadas as crenças de Lázaro (Sérgio Vianna) e seus vizinhos nas manifestações demoníacas interioranas, seja nas oposições imediatistas que Joyce (Gabriela Correa) direciona ao lugar em que vive, tachando de "jecas" quem não aprecia as músicas eletrônicas que ela ouve até mesmo quando está despejando agrotóxicos na fazenda em que trabalha... 


De um lado, Alex deseja continuar a tradição que lhe fôra repassada por seu pai, um hábil violeiro, que abandona a música depois do falecimento de sua esposa, misteriosamente afogada, supostamente por causa de uma aparição do Diabo; do outro, ele tenta se adequar aos comportamentos modernosos sugeridos por Joyce, que, como ele, também viveu em Brasília, e o convida para 'raves' e para desempenhar funções insalubres na fazenda que usurpa a água fluvial da região e interdita até mesmo as estradas do povoado. Resta a este personagem a indecisão contumaz, que desencadeia gestos estouvados, na tentativa aflita de levar a cabo as crendices sugeridas pelo misterioso Tião (Márcio Rodrigues). 


Em termos imagéticos, isto se reflete numa fotografia - a cargo de André Carvalheira - que se inicia contemplativa, aproveitando a experiência do realizador, estreante em longas-metragens, com a linguagem documental, mas que logo adere ao frenesi associado à confusão mental de Alex, em movimentos trêmulos, como aqueles da supracitada cena em que Joyce despeja os agrotóxicos e quando ele queima um boi morto, junto à madeira na qual seu pai crê que se esconde um ninho de cascavéis. Como faria ele para ressuscitar o chocalho concedido por Tião, ao afirmar que "uma viola sem proteção é igual a um boi sem chifre"? A resposta é: ocupando o lugar pretensamente santificado de seu pai adoentado, sem se preocupar com as conseqüências desta arriscada substituição. 


Esquemático na maneira como apresenta as tradições e costumes do munícipio mineiro de Urucuia, onde ocorreram as filmagens, e ressabiado no modo como os diálogos comentam as frustrações dos migrantes em suas respectivas passagens por Brasília, "Pacto da Viola", conforme previamente indicado, confunde-se tanto com o seu protagonista, que não oferece nenhum discurso ou proposta concreta de enfrentamento: transige diante de uma conjuntura rural sufocada pela lógica invasiva dos latifúndios (o "mar de soja" que Joyce comenta com desdém), enquanto as manifestações culturais são reproduzidas sob a égide do cansaço, num estertor automático que apela para as superstições, quando o silêncio de Deus atinge píncaros insuportáveis, metonimizados no esvaziamento do restaurante em que Alex apresenta a sua música; na interrupção radiofônica de sua canção, devido à transmissão de "A Voz do Brasil"; e nos CDs que ele não consegue vender, já que "ninguém mais ouve isto". Resta a faca na goela do boi, infelizmente! 



Wesley Pereira de Castro. 

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