sexta-feira, 12 de abril de 2024

DOIS É DEMAIS EM ORLANDO (2024, de Rodrigo Van Der Put)


 

Após demonstrar os seus incríveis talentos dramáticos, num desempenho adulto e mui aplaudível, na série “Os Outros”, Eduardo Sterblitch retorna aos personagens infantilizados que o consagraram, ainda que saibamos que seu estilo cômico é demarcado por nuanças sardônicas, conforme percebemos em “Os Penetras” (2012) e “Chacrinha: o Velho Guerreiro” (2018), ambos de Andrucha Waddington. Aqui, entretanto, ele não tem muito a fazer como o protagonista João, exceto exagerar em caretas e ‘gags’ que atrapalham o desenvolvimento de uma trama automática e pouquíssimo interessante.



Insistindo que “um é bom, dois é demais”, João é traumatizado por uma experiência de infância, quando o seu pai, já doente, o desafia a andar sozinho numa montanha-russa. Pouco tempo depois, seu pai morre e João cresce como um ‘nerd’ assexuado, obcecado pelas franquias “Jurassic Park” e “Transformers”. Trabalhando como editor num ‘vlog’ de confeitaria, João está prestes a entrar em férias e viajar sozinho para um parque aquático em Orlando – confirmando o seu lema pessoal e justificando o título do filme -, mas uma série de acasos faz com que ele seja convencido a cuidar do filho de sua patroa por algumas horas. Suspeitando que seu emprego está em jogo, pois a empresa para a qual trabalha foi vendida para um grupo de empresários estadunidenses, João aceita a empreitada, de maneira oportunista: ele crê que, ficando ao lado do menino, poderá descobrir o que realmente aconteceu à empresa…



Carlos Alberto (Pedro Busrgarelli), o filho da patroa, é um garoto de onze anos de idade, que tem medo de quase tudo. Com receio de desapontar seu pai esportista, Ricardo (Anderson Di Rizzi), que vive nos EUA e com quem ele encontrará na viagem, o menino finge ser um aventureiro, e a companhia forçada de João ser-lhe-á um estímulo involuntário para os enfrentamentos. Compartilhando o mesmo quarto de hotel, João e Carlos Alberto perceberão ter muito em comum, mesmo que as diferenças sejam enfatizadas, por motivos humorísticos. Exemplo: o garoto é vegetariano, e, quando João chega perto dele com dois cachorros-quentes, ele recusa prontamente, ao que o outro diz “não comprei para ti, os dois são para mim mesmo”!



Tal qual acontece nesse tipo de trama, os desencontros familiares e as mentiras acumuladas dos personagens permitirão que eles sejam moralmente redimidos, ao descobrirem as benesses da verdadeira amizade. João e Carlos Alberto se divertirão bastante em Orlando e, ainda que tenham se aproximado de maneira forçada, constatarão que têm muito a aprender um com o outro. O grande problema deste clichê, em âmbito enredístico: muitas vezes, parece que o roteiro do filme foi escrito como pretexto para filmar os atores e a equipe técnica distraindo-se no parque de diversões onde acontece as ações.



Entulhado de situações explicitamente publicitárias, o filme é uma longa peça de ‘marketing’, destinado a divulgar as opções de lazer numa área associada aos estúdios da produtora Universal, além de menções recorrentes à rede de canais de TV por assinatura Telecine. Há um diálogo engraçado, em que João e Carlos Alberto citam vários títulos de filmes disponíveis no catálogo desta rede de canais (que é também um serviço de ‘streaming’), a fim de demonstrarem que estão incomodados por estarem confinados num mesmo quarto. Mas logo estarão em sintonia, quando percebem na figura do dentista Anderson Cabello (Daniel Furlan) o alvo ideal para as suas travessuras mútuas. Enquanto aval, o fato de este hóspede, que evita açúcar e sofre de Transtorno Obsessivo-Compulsivo, ser insuportável!



Da mesma maneira que o protagonista, o antagonista idiotizado recorre às caretas e ao histrionismo, numa composição repleta de caricaturas vilanazes dos filmes infantis. O garoto é bastante simpático e espontâneo, a despeito dos caprichos classistas de seu personagem, mas seus companheiros de cena investem na exacerbação de estereótipos, a ponto de, em comparação com os demais, ele ser tachado de adulto, ainda mais que sua mãe Clara (Luana Martau), comumente ocupada com as tarefas de trabalho. A comediante Polly Marinho tem boa presença em cena, como Maristela, companheira de trabalho de João, mas suas breves participações são desperdiçadas numa subtrama pouco convincente sobre ameaça desempregatícia, que dá origem ao grupo de WhatsApp (“Mala Extraviada”) que ofenderá Carlos Alberto. Resta apreciar, se possível, as diversas seqüências em tobogãs, piscinas e atrações robóticas do parque supramencionado.



Em mais de um momento, Carlos Alberto pede a João que largue o telefone celular e curta as férias, mas o filme desobedece a este conselho: sua linguagem tenta emular o frenesi dos conteúdos virtuais, com destaque para a montagem à la Tik Tok e afins. Por mais desleal que seja no rol de mentiras que conta para o seu filho, Ricardo é mostrado como pai ideal, que só deseja o melhor para ele, em viés material. O diretor Rodrigo van Der Put, proveniente dos médias-metragens escritos e protagonizados pelos membros do grupo humorístico “Porta dos Fundos”, parece cônscio da vacuidade de suas imagens, a ponto de sequer enquadrar o que é exibido no momento em que os personagens assistem ao programa de TV que permite a ascensão profissional de Clara e João. Nos créditos finais, fotografias da equipe em Orlando são compartilhadas. Ao menos, eles parecem ter se divertido!



Wesley Pereira de Castro.

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