sábado, 11 de dezembro de 2021

Festival de Brasília 2021: ELA E EU (2020, de Gustavo Rosa de Moura)


Depois do registro bem-sucedido de des/re-estruturação familiar que atende pelo nome de "Canção da Volta" (2016), o diretor e roteirista Gustavo Rosa de Moura confecciona mais um panorama de enfrentamento emocional, permeado por muitas canções. A despeito da boa participação de Lucas Santtana como compositor da trilha musical original, recorre-se a clássicos alheios para ecoar as transformações sentimentais vivenciadas pelos personagens: quando vão à praia, as mulheres cantam "Os Mais Doces Bárbaros", na antológica versão ao vivo da banda homônima; enquanto pinta sobre os desenhos de sua filha, Bia (Andréa Beltrão) ouve o relato fúnebre de "Birdland", de Patti Smith; o título do filme é explicado através de uma canção de Caetano Veloso, numa seqüência demorada, em que marido e mulher aplaudem na platéia e se reconciliam internamente. A proposta é ótima, mas a execução é atropelada, como se fosse um programa televisivo de videoclipes... 


Apesar do argumento prenhe em dramaticidade, as situações são representadas de maneira quase telenovelesca, o que dilui o impacto exordial, talvez devido à celeridade rítmica: sente-se falta da duração estendida dos planos, das sutilezas relacionais, dos silêncios... Além de o ambiente em que a família vive ser muito barulhento, pois Carlos (Eduardo Moscovis) é marceneiro, os diálogos são superpostos, fala-se muito mais do que é ouvido - exceção concedida à extrovertida Sandra (Karine Teles), que, em sua função de cuidadora, é quem mais presta atenção aos anseios da recém-desperta Bia. Sua filha Carol (Lara Tremouroux) e a nova esposa de seu marido, Renata (Mariana Lima), têm seus cotidianos atropelados pelo súbito despertar da mulher que estava em coma há duas décadas: a primeira tranca o período na faculdade, a fim de utilizar os cuidados de sua mãe como aplicação prática de seus conhecimentos sobre Neurologia; a segunda, por sua vez, não suporta o cansaço advindo de sua rotina como professora. Sente falta do marido, agora predominantemente dedicado ao reconhecimento de Bia enquanto amante e amiga. Em meio à pletora de bilhetes indicando o nome de objetos pela casa, Renata aponta para a própria vagina e grita, indignada: "isso é uma xoxota. Serve para lamber, para meter...". A comemoração de aniversário de Carol foi imediatamente estragada, portanto!



Como se percebe na descrição acima, o enredo do filme é poderoso na elaboração de seus clímaces emocionais. O problema na transposição roteirística foi o afobamento actancial: os atores estão devidamente entregues aos seus papéis (sendo nítido que eles contribuíram bastante na improvisação dos diálogos), mas as interações soam artificiais, sobretudo no que tange à protagonista, eventualmente risível. Há uma melhora de tom próximo ao final, mas o 'flashback' praiano parece deslocado, no que tange à maneira íntima porém distanciada com que os personagens se relacionam: os carinhos tendem a ser interditados, ainda que muito necessários. Neste sentido, é como se as irregularidades fílmicas fossem uma metonímia das dificuldades de entrosamento amoroso experimentadas sobretudo por Carol, que não sabe como dividir adequadamente os seus afetos entre a mãe biológica, a mãe de criação e a sua namorada (Jéssica Ellen). Ser desenrolada ou assumir-se piegas? A não-resposta a este dilema afeta tanto o filme quanto a jovem personagem. Mais uma vez, sobram (e soçobram) as boas intenções...



Wesley Pereira de Castro. 

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