segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Disney+: ENCANTO (2021, de Jared Bush, Byron Howard & Charise Castro Smith)


Na primeira canção do filme, quando Mirabel (dublada por Stephanie Beatriz) apresenta-nos aos dotes mágicos de sua família - em resposta a alguns garotos da vizinhança -, ela exclama que um deles não deveria estar tomando café, visto que esta bebida seria reservada apenas aos adultos, já que causa ansiedade. O modo como ela enumera infortúnios nacionais convertidos em benesses particulares, numa velocidade assaz acelerada, comprova que ela é também ansiosa, o que faz com que, ao notar a sua relutância em assumir qual o próprio dom, uma das crianças a associe à negação. Há tanta informação nesta seqüência que, por alguns instantes, imaginamos a quantidade de elementos não percebidos numa única sessão, sobretudo para um público infantil. E é justamente essa a temática do enredo: a necessidade de rever situações anteriores, para que possamos aprender algo com o que não tínhamos condição de saber num primeiro contato!


Não obstante os delicados estratagemas de evasão associados aos conflitos políticos da Colômbia, o roteiro consegue gerir de maneira afirmativa os seus caracteres pitorescos: a abundância de frases e versos em espanhol (num filme falado em inglês) propicia um sentimento viável de inclusão, ainda que este seja atrelado à assimilação capitalista. As canções compostas por Lin-Manuel Miranda são ótimas e as composições originais de Germaine Franco são encantadoras. Pode-se reclamar que o modo como a trama é resolvida soa um tanto apressada, mas a ideologia precisa disso para manter-se ilusória e fascinante. Caso contrário, a trama redundaria no fatalismo do qual o personagem Bruno (magistralmente dublado por John Leguizamo) é acusado e convertido em pária. Não se pode sequer pronunciar o seu nome, em boa parte do tempo. É assim que é erigida a harmonia familiar?


Ao perceber as rachaduras nas tradições longevas da família Madrigal, Mirabel cumpre a função recorrente concedida aos protagonistas dos longas-metragens contemporâneos da Disney: precisa desobedecer às regras dos mais velhos, a fim de que possa referendar definitivamente os seus preceitos. Quando desafia a sua avó Alma (María Cecilia Botero), Mirabel constata que há algo muito mais importante que os dons, ou seja, as pessoas que os carregam. E, assim, a harmonia sobrenominal é restabelecida, com o apoio inequívoco de Casita, uma residência prosopopeizada que concede aos seus habitantes traquinagens diuturnas. Como não ficar fascinado por este filme? 


Em meio a uma musicalidade inebriante e a uma fotografia repleta de cores e flores, os roteiristas de "Encanto" surpreendem ao questionar as razões instrumentais que validam o realismo mágico. Trata-se de uma obra que precisa ser revista e questionada, no afã pela evidência de méritos sobressalentes àqueles que jorram das ações eufóricas dos personagens. Nos créditos de encerramento, um "cafeinador" aparece entre os técnicos. Caberá aos adultos explicarem aos espectadores infantis aquilo que é desanuviado pela aparente normalidade da protagonista. A mensagem final, ainda que convertida em clichê vendável, é primorosa: viva a resistência da cultura latino-americana!



Wesley Pereira de Castro. 

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