sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

A CRÔNICA FRANCESA (2021, de Wes Anderson)


Uma belíssima carta de amor ao Jornalismo, que termina com uma miscelânea de olhares, em resposta à pergunta: "o que vem depois?". Num contexto em que a prosa autoral é esmigalhada pelas falsas notícias e pela urgência parcial da manchetes escandalosas, o que o diretor nos oferta como homenagem anacrônica soa explicitamente direcionada a um séquito de amantes envelhecidos. É como se identificássemo-nos com a personagem de Frances McDormand, que confunde as razões para o derramamento de suas lágrimas, visto que elas são provocadas por fatores tão íntimos quanto exteriores: há muito gás lacrimogêneo no ar e, ao mesmo tempo, como não sentir-se triste? A narração graciosa de Anjelica Huston em relação ao percurso de vida do fundador da publicação titular é impregnada de ímpeto informativo e emoção, simultaneamente: "a objetividade jornalística não existe", diz mais de um personagem, no episódio central do enredo. Mais uma vez, a identificação é evidente!


Não obstante a excelência técnica do cineasta, que leva a cabo todas as suas esperadas idiossincrasias (possibilitadas por uma equipe habitual de colaboradores), há uma breve irregularidade no modo como os episódios são apresentados, o que também pode ser interpretado como metonímia da diversidade editorial da revista fictícia, ostensivamente inspirada na canônica The New Yorker. Situar a(s) trama(s) na França também carrega consigo alguns problemas, denotados pelo capcioso nome da cidade inventada pelo diretor, Ennui-sur-Blasé. Mas nada que a magistralidade do elenco não resolva: a apresentação do local pelo personagem de Owen Wilson, no segmento sobre "o repórter ciclista", é primorosa!


Nos créditos finais, são lidos agradecimentos a diversos articulistas de The New Yorker - como James Baldwin, Lilian Ross e Joseph Mitchell (para ficar em apenas alguns dos artífices seminais do jornalismo literário) - que inspiram de maneira evidente os personagens. As personificações são excelentes, confirmando a suma competência do realizador na direção de atores (exceção verificada nos exageros modernosos de Lyna Khoudri): Tilda Swinton está muito engraçada, e Jeffrey Wright parece estar parodiando Orson Welles. Ecos de Jacques Tati e de Federico Fellini podem ser verificados nalgumas seqüências, num filme que reproduz à risca as obsessões de quem sofre de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), incluindo a "memória tipográfica" e a pouca afinidade cartográfica atribuída por um dos cronistas aos homossexuais. A trilha musical de Alexandre Desplat é sardônica em sua imitação do enfado no primeiro episódio, reiterativa e pouco perceptível no segundo mas sublime e entusiástica no terceiro, cujo tema permanece assobiado por muito tempo após a sessão...


A concomitância entre o falecimento e o aniversário do personagem de Bill Murray bem como a tristeza artística conferida à guarda prisional vivida por Léa Seydoux são algumas das inúmeras emanações de brilhantismo que são detectadas neste filme, que também conta com Benicio Del Toro, Elisabeth Moss, Cécile de France, Liev Schreiber, Edward Norton, Saoirse Ronan e Timothée Chalamet em breves entregas actanciais dotadas de paixão (e algum cinismo). A fotografia de Robert Yeoman, mais uma vez, mistura imagens coloridas e em preto-e-branco, além de diversas quadraturas: a fascinação geométrica do diretor assume o píncaro nesta carta de despedida a um modelo de Jornalismo em extinção. Por que estamos chorando, afinal? 



Wesley Pereira de Castro. 

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