segunda-feira, 7 de junho de 2021

Urso de Ouro 2021: MÁ SORTE NO SEXO OU PORNÔ ACIDENTAL (2021, de Radu Jude).

 


O título chistoso deste filme deixa em evidência a acidez controversa do discurso de revolta contido na maneira como o diretor posiciona-se frente aos desentendimentos históricos: como seu país sofreu o que de pior pode ser associado a uma ditadura comunista, Radu Jude é desconfiado e inclemente tanto em relação aos arroubos vilanazes da extrema-direita quanto aos equívocos e precipitações da esquerda política. Ao invés de impor suas diretrizes opinativas, ele expõe um cabedal de impressões e citações literárias, chegando ao cúmulo de oferecer três desfechos distintos, de modo que cada espectador possa escolher aquele que melhor adeque-se às suas crenças e desejos pessoais...


 A abertura explicitamente sexual do filme expulsa os moralistas e conservadores da sessão. Porém, ao invés de advogar em defesa da lubricidade, o roteiro prefere questionar os parâmetros delimitadores do que seja "pornografia". E, para tal, dedica um longo e maravilhoso segundo ato a um dicionário iconoclasta de termos naturalizados pelo machismo estrutural. Dentre os verbetes, a consideração de que "as crianças são prisioneiras políticas de seus pais" e a ressignificação de termos que designam orgulho nacional, mas são ostensivas declarações de xenofobia e racismo. Quando traz à tona símbolos e imagens eróticas, fica evidente o quão chauvinista é o cotidiano de qualquer falante social: se a vagina comumente surge em frases que designam estupidez, o pênis é um sinal declarado de galhardia. Um verbete providencial é dedicado á palavra 'boquete': "palavra mais pesquisada em dicionários virtuais. A segunda é empatia". Genial! 


Sem resvalar na misantropia ferrenha de um Lars von Trier ou Michael Haneke, Radu Jude recorre a proposições clássicas do anarquismo: questiona a tudo e a todos, invariavelmente. No primeiro ato do filme, "Via de Mão Única", a professora Emilia (Katia Pascariu) percorre as ruas de Bucareste, notando o quão agressivas estão as pessoas ao seu redor. No supermercado, uma mulher é ofendida por quem espera na fila, visto que ela precisa excluir alguns produtos de sua cesta de compras, por não ter dinheiro suficiente. "Eu tenho culpa de ser pobre?", pergunta ela, num exemplo de frágil argumentação que descambará para a agressão física no terceiro ato do filme - apelidado de 'sitcom' -, quando Emilia é julgada pelos pais de seus alunos, depois que um vídeo em que ela faz sexo com seu esposo vaza na Internet. Os xingamentos são abundantes, obviamente. O diretor obriga-nos a testemunhar este arremedo contemporâneo de execução fascista depois que equipara o Cinema a um escudo que neutraliza o impacto petrificador dos horrores da realidade, numa metáfora cínica da lenda de Perseu e Medusa. É impossível permanecer emocional e/ou racionalmente incólume diante desta obra. Um petardo, um soco pós-freudiano, uma metralhadora giratória de versículos, filmado em plena pandemia da COVID-19, diegeticamente questionada pelos negacionistas militares, ainda numerosos na Romênia. Tudo a ver com o Brasil atual, portanto! 



Wesley Pereira de Castro. 

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