Nalguns casos, o próprio ato de difamar uma obra que congratula-se em ser ruim (porém numericamente vista) soa contraproducente, no sentido de que impulsiona a audiência à mesma. Em tese, não há problemas: a função das críticas, mesmo negativas, é impulsionar o debate. Mas não seria antiético exortar algo que parece malévolo sob qualquer âmbito? O filme em pauta obriga-nos a esse tipo de questionamento: afinal, é entulhado de clichês, confunde diversidade epidérmica com quotas assimilatórias da estandardização e revela-se mentiroso até mesmo em sua proposta titular. Afinal, a promessa carnavalesca é um mero pretexto para a exibição de cenários fechados e cosmopolitas que desperdiçam até mesmo o esforço de atores não-baianos na imitação do sotaque característico desse Estado. Lidemos a com a necessidade de posicionamento desapreciativo, portanto.
Que "Carnaval" seja um filme que sintetiza o que de pior associamos ao padrão netflíxico de homogeneização anistórica (e "desgeográfica"), não é surpresa para ninguém. Em nível quase satírico, o enredo entrega exatamente aquilo que espera-se dele: uma protagonista fútil que, em dado momento, passará por uma redenção programada e, como tal, perceberá que "o sentido da vida é ter amigas". Por mais truísta que seja esta mensagem, não chega a ser o maior problema. Muito menos o modo oportunista como o filme lida com a temática do "cancelamento virtual" ou com a necessidade de assunção homossexual. Entretanto, a presunção de que as diferenças de personalidade feminina são obliteradas pela adesão modista às libações de classe média soa perniciosa, imoral. Algo que é detectado como padrão nos filmes brasileiros produzidos pela plataforma: ser "influenciador digital" é exigência básica no currículo dos protagonistas!
Depois de uma inócua seqüência de créditos de abertura - que até parece uma publicidade televisiva - somos apresentados a Nina (Giovana Cordeiro), moça cujo maior sonho é atingir um milhão de seguidores no Instagram. Esse é o emprego dela. Depois que é traída pelo namorado e convertida na "côrna do Crossfit", ela convida suas três melhores amigas para viajarem, sob o seu financiamento generoso, para o carnaval soteropolitano: uma delas é uma veterinária negra e mística, que sofre de agorafobia seletiva; outra é uma loira alvoroçada, que não hesita em ter contatos sexuais com todos os homens que conhece; e a terceira é uma 'nerd' com cabelo pintado de roxo, que testa seus pretendentes românticos com um questionário sobre cultura 'pop'. Micael Borges interpreta um cantor cujo maior sucesso tem como refrão "intimidade com o chão/ intimidade com a rabêta". Todo mundo sabe como acaba: adentra a sessão quem quer!
Wesley Pereira de Castro.
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