Temos um favorito na edição desta ano? Talvez esteja cedo para celebrar, mas acho difícil outro título em competição superar a sutileza deste filme tão bonito. A sinopse prometia "a história de uma amizade entre mulheres". Deparamo-nos, além disso, com uma poderosa análise da influência das contradições (inter)nacionais no cotidiano delas.
A Kevin do título é a amiga ugandense da diretora, com quem estudou, há quase vinte anos, na Alemanha. Após enfrentar alguns dissabores no Brasil (o pai está em tratamento quimioterápico, por exemplo), Joana resolve viajar ao país-natal de sua amiga, conforme prometeu fazê-lo há algum tempo. Não tem filhos, o que não a impede de locomover-se para o exterior. Kevin, por sua vez, é mãe de três filhos pequenos. Conversa com eles em alemão, interage com a diretora em inglês e realiza as atividades comerciais no idioma regional. É uma mulher que sintetiza múltiplas capacidades de adaptação social - entre elas, obviamente, a lida com o racismo, conforme abordará num diálogo perto do desfecho da obra.
Desde o começo, torna-se irrelevante imaginar o que é efetivamente documental ou ficcional no filme. As transições são tão sutis, o que a diretora compartilha conosco é tão incrível, que queremos ser amigos daquelas mulheres. E, por uma hora e vinte minutos, conseguimos...
Dentre as variegadas qualidades desta obra, enfatizo o modo como o diálogo afetivo é naturalizado, mesmo ao abordar temas-tabus: fala-se sobre um doloroso aborto espontâneo enquanto brinca-se com um cachorro; ficamos na expectativa acerca de quem seria o pai das crianças de Kevin e, quando a revelação surge, isso ocorre de maneira trivial. A protagonização é concedida ao que as amigas compartilham entre si: o assunto principal é o encontro, que conduz-nos ao cotejo de apanágios nacionais. Afinal, Joana proveio de um Brasil sob o jugo do bolsonarismo, mas não precisa invocar esta seita maligna para externar o que a aflige politicamente. Idem quanto a Kevin, que não carece retroalimentar preconceitos existentes sobre o neo-colonialismo levado a cabo pelas fingidas ONG's na África. Ela mostra, nós percebemos. Basta!
Admito que, nos minutos finais, as conversas tendem a ficar solenes, o que interfere na desenvoltura rítmica. Percebendo-se isso, há uma seqüência de enorme simbologia, e o filme acaba. A amizade continua. Os problemas e alegrias da vida também. Maravilhoso!
Wesley PC>
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