Num contexto produtivo em que as tanto as câmeras quanto os equipamentos de montagem tornaram-se sobremaneira acessíveis, proliferam os filmes íntimos, sobre peculiaridades das famílias dos realizadores. Aliadas à sensibilidade dos mesmos, a coragem de auto-exposição e a disponibilidade de material de arquivo podem render trabalhos valorosos de compartilhamento existencial e humanista. Mas também podem desencadear julgamentos morais irrefreáveis, quando as discordâncias entre o que é mostrado e o arcabouço emocional dos espectadores são confrontadas pela narração condutiva em primeira pessoa, eventualmente demarcada pelas expectativas de (re)encontro. Quando esse diálogo não dá certo, a impressão é a de que o desenlace fílmico chafurda no pior tipo de chantagem emocional...
A despeito de suas ótimas intenções, este ensaio cinematográfico pertence ao segundo grupo: por mais que nos sensibilizemos diante do projeto do jovem diretor em documentar a sua dupla tentativa de reaproximar-se dos pais e, a partir daí, "realizar um bom filme", lamenta-se que os êxitos tenham sido aparentemente parcos em ambos os anseios. Versão estendida de um produto audiovisual apresentado numa qualificação de Mestrado em 2017, este longa-metragem registra uma série de chavões relacionais sobre os 'dekasseguis' (termo japonês que designa quem "trabalha distante de casa"), sobre o preenchimento das satisfações de continuidade heterossexual e sobre uma noção empresarial de família. De acordo com o eu-lírico desta produção, a ambição dos imigrantes nas regiões em que se instalam é a de obterem bastante dinheiro, a fim de que possam voltar ricos para os seus países de origem. A família Yoshisaki realmente acredita nisso: o modo como o pai do diretor, Roberto, relaciona-se com os seus parentes parece atender a uma cartilha de completa adesão ao toyotismo. Neste sentido, ele acha justificável trabalhar doze horas por dia, em rotinas de seis dias por semana, para "garantir um futuro melhor para a família". Cada abraço entre Roberto e seu neto é como se fosse um procedimento empregatício. Lembramos categoricamente que a família é um Aparelho Ideológico de Estado, conforme definiu o filósofo Louis Althusser [1918-1990].
Acerca de si mesmo, Marcos Yoshi fala pouco: tudo o que interessa ao filme é o seu crescimento como "órfão de pais vivos", de modo que a volta de seus genitores ao Brasil faz com que ele cogite o preenchimento dos instantes de convivência não desfrutados na adolescência. Para sua mãe, não valeu a pena passar tanto tempo longe dos filhos e não testemunhar o crescimento deles, mas, para Roberto, quedar no Brasil equivale à confirmação de um fracasso. Após uma série de empreendimentos comerciais falhos (em razão das crises econômicas que caracterizam o país), ele decide voltar para o Japão. Evita-se qualquer observação de cunho político, mas sabemos que Roberto é irritadiço e obcecado pela lógica financeira. Assistir a este filme é como observar um programa de condicionamento: tudo é organizado para exortar a importância do sacrifício enquanto valor necessário à existência na Terra (entendida como metonímia capitalista). Trata-se da faceta nipônica da ética protestante, involuntariamente convertida em tema de um documentário que flagra o descompasso afetivo entre pai e filho (vide a seqüência em que este último pede para tocar na cabeça do primeiro). No quartel final, quando o próprio diretor vaja para o Japão, ele homenageia algumas cenas de um curta-metragem primevo da cineasta Naomi Kawase: os resultados são radicalmente opostos, infelizmente!
Wesley Pereira de Castro.
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