O diretor e professor universitário capixaba Erly Vieira Jr. já havia se debruçado sobre a arte performática de um dos objetos humanos deste longa-metragem em oportunidades anteriores: ele é o autor, por exemplo, do livro "Marcus Vinícius - A Presença do Mundo em Mim", lançado em 2016, em que documenta, através de vasto material imagético, as impressionantes intervenções do artista mencionado no título, que expunha o seu próprio corpo a situações extremas, como ficar despido num pasto onde há diversas vacas ou caminhando em espaços urbanos, coberto por fitas adesivas, onde se lê, à exaustão, a palavra "Frágil". Infelizmente, ele faleceu, em decorrência de um mal súbito, numa viagem à Turquia, em 2012. Seu trabalho ficou eternizado, graças à curadoria criteriosa deste realizador, entre outros.
Retornando aos trabalhos deste artista singular, internacionalmente conhecido, Erly Vieira Jr. coteja as suas ações com as obras de mais duas artistas radicadas em Vitória, capital do Espírito Santo, que têm em comum a característica de utilizar os seus corpos - tal como Marcus Vinícius - como palco de experimentações. De um lado, Rubiane Maia, que parte de um apotegma nietzscheano (aquele que prediz que, antes de voarmos, precisamos "aprender a ficar de pé, caminhar, correr, escalar e dançar") para realizar equiparações com plantas que se ramificam espacialmente ou efetuar movimentos que requerem extrema preparação física, como uma coreografia no topo do Pico da Neblina, ponto mais alto do Brasil, que fica no Estado de Amazonas...
Do outro lado, temos a travesti Castiel Vitorino Brasileiro, que costuma se definir como um peixe e dança para a família, num espaço recoberto de areia, ao som dos tambores de candomblé. Movimentando-se freneticamente, ela também compõe versos poéticos, que acompanham as suas obras, tanto quanto Rubiane. Evitando ser limitada às convenções de gênero, Castiel fala que suas obras são sobre resistência e sacrifício, e, com base em suas poderosas entregas artísticas, também conseguiu projeção internacional, da mesma maneira que os demais retratados.
O filme, deveras convencional em sua exposição documental, beneficia-se de um extraordinário rigor fotográfico e das colaborações próximas, ao longo de anos, entre o diretor e os artistas em pauta. Funciona como uma espécie de catálogo expandido das manifestações performáticas dos envolvidos, além, claro, de um contundente registro identitarista, que ousa expor a pujança de artistas negros num Estado do Sudeste do Brasil, conhecido por suas manifestações de extrema-direita. Neste sentido, o filme merece ser apresentado e debatido nas salas de aula e, quiçá, em galerias. Inova pouco formalmente, deixando que isso fique a cargo dos artistas, mas os divulga de maneira tão enfática quanto carinhosa. Aplaudamo-nos, portanto!
Wesley Pereira de Castro.
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