quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Mostra SP 2022: CARVÃO (2022, de Carolina Markowicz)


Para uma diretora estreante em longas-metragens, o domínio rítmico de Carolina Markowicz é impressionante. A duração é muito bem aproveitada na implementação dos silêncios e o elenco heterogêneo está bastante integrado às composições de cada um de seus personagens: Irene, a protagonista, é uma mulher de temperamento centrípeto, quiçá por causa da negligência sexual de seu marido, Jairo (Rômulo Braga), homossexual inassumido, que tem um caso com um vizinho, também casado. Eles vivem numa cidade erma do interior paulista, e recebem uma proposta perturbadora de Juracy (Aline Marta Maia), uma enfermeira local: sacrificar, de maneira violenta, o pai de Irene e, no lugar dele, conceder refúgio a um traficante argentino (César Bordón), que forja a própria morte. A presença deste "gringo", entretanto, acentuará as crises de comunicação sufocadas nesta comunidade de gente tão trabalhadora quanto melancólica... 


O desconforto provocado pelas situações supracitadas é contrabalançado pelo incrível bom humor do filho de Irene e Jairo, Jean (Jean de Almeida Costa, esplêndido), um garotinho que, a despeito das dificuldades de acesso da região em que vive, demonstra uma habilidade surpreendente para resolver problemas. Revela-se safo tanto na interrogação acerca da possiblidade de pedofilia em relação a alguém que acaba de conhecer quanto na desenvoltura para conseguir cocaína. Na lida diária com a sua mãe, ele parece estar em perene conflito, enquanto sequer percebe que seu pai está em casa, de tão ausente que ele demonstra-se, quando está longe do homem que ama. Tudo conduz a um desfecho violento, portanto. 


Mui hábil na condução de seu próprio roteiro, a diretora evita a obviedade climática: ficamos sem entender muitas das situações apresentadas (não sabemos quais crimes Miguel cometeu, por exemplo), mas dispomos de suficientes informações para compreender o impacto daquelas relações forçadas tão destoantes. Excitada, Irene começa a perfumar-se em excesso, no afã por atrair a atenção sexual de seu hóspede arredio, que beija Jairo numa demonstração implícita de poder. Permanece sempre misteriosa a origem de Juracy, do mesmo modo que são sub-articuladas as conversas entre Jean e seus colegas de escola. A Jairo, resta embebedar-se, a fim de poder enfrentar o seu cotidiano de repressão. No rádio (e, por extensão, na sardônica trilha musical), canções religiosas, cantadas pelo padre Marcelo Rossi. A igreja é bastante enfeitada, mas o pároco reclama das dificuldades financeiras por ele enfrentadas. Na parede do quarto de Jean, um lema providencial: "ora que melhora". Isso não evitará que Miguel seja sufocado diante de uma ilustração que evoca a derradeira ceia cristã. Por fim, um estampido abruto. Trata-se de um filme para adultos! 


Wesley Pereira de Castro. 

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