A abordagem do sistema educacional brasileiro não é novidade para o diretor João Jardim: o celebrado "Pro Dia Nascer Feliz" (2005) compara as realidades de diferentes escolas, em Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Nos intertítulos, o interesse cotejador fica evidente, ao contrário do que ocorre em "Atravessa a Vida", onde sequer é explicado o porquê da escolha de uma escola em Simão Dias como objeto de enfoque…
No ano em que as filmagens foram realizadas, o Colégio Milton Dortas ganhou visibilidade nacional, em razão da formatura de um médico quilombola proveniente do mesmo, denotando o sucesso de ferramentas governamentais concernentes à Educação, como a implementação das cotas raciais. E, por tratar-se de um ano eleitoral, o documentário insiste na associação entre Educação e Política: além do conteúdo de muitas das aulas apresentadas no filme serem sobre o período ditatorial do Brasil, há uma seqüência em que mostra-se a apuração dos votos para presidente da República, em 2018. Jair Bolsonaro venceu – mas não no Nordeste!
Neste projeto recente de João Jardim, o assunto é assaz demarcado: uma série específica (o terceiro ano do Ensino Médio) e um objetivo pretensamente geral (as expectativas de aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM). Mas, naquela cidade do agreste sergipano, os aspectos da realidade invadem abruptamente a sala de aula: seja pelo contínuo barulho advindo das atividades de pedreiros e eletricistas, que trabalham durante o horário letivo, seja pelas estórias trágicas de vida que os alunos narram. Há o rapaz que se sente abandonado pelo pai, a garota que fere a si mesma nas crises de depressão, o chiste recorrente de que estudar na Universidade não é tudo: quem não ganha na loteria, pode encontrar trabalho nas esquinas. O que é mostrado no filme não é exclusividade daquela região, afinal.
No documentário, a câmera não é escondida: ela está presente, e é inconveniente. O diretor evita a exposição de uma tese determinista, ainda que preconceitos eventuais sejam detectados, no modo como a precariedade infraestrutural da escola é exibida. Ao término, os exemplos de superação (em termos estatísticos) são destacados. Durante as aulas, o sofrimento é compreendido como algo edificante, mas, fora delas, a tela fica preta. As reflexões marxianas e aristotélicas, a insurgência de Canudos e os problemas trigonométricos são ensinados localmente. O que enfrentamos hoje, em termos nacionais, é o que foi efetivamente apre(e)ndido!
Wesley Pereira de Castro.
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