terça-feira, 27 de outubro de 2020

* Mostra SP: SOBRADINHO (2020, de Cláudio Marques & Marília Hughes)


 

A filmografia dessa dupla de cineastas radicados na Bahia é demarcada pela juventude: seja enquanto tema direto de seus filmes, seja pelo arrojo estilístico que permeia as suas narrativas revoltosas. No quarto longa-metragem que realizam, com enfoque assumidamente documental, a perspectiva geracional é diferente: acompanhando-se as lembranças da espirituosa Dona Pequenita, idosa que vive sozinha na cidade parcialmente inundada de Pilão Arcado, é promovido um reencontro com três assistentes sociais que voltam ao local, a convite dos realizadores. Estas participaram do processo de remanejamento habitacional dos moradores que viviam nos municípios alagados durante a construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, no início da década de 1970…



Retomando um assunto que forma uma trilogia indireta com o curta-metragem "Desterro" (2012) e com o longa semificcional "A Cidade do Futuro" (2016), os diretores contrastam o que é narrado por Dona Pequenita aos cinejornais da CHESF – Companhia Hidrelétrica do São Francisco, aos documentários efusivos da Rede Globo de Televisão e a apropriação melodramática da situação sertaneja numa telenovela de Janete Clair, “Fogo Sobre Terra”, lançada em 1974. Nas imagens em preto e branco, Juca de Oliveira e Regina Duarte formam um casal afetado diretamente pelos planos de uma empresa hidrelétrica, que planeja alagar a cidade em que vivem. Durante a produção, a telenovela sofreu muita censura, por parte do Governo Militar, pois temia-se que ela incitasse os espectadores a posicionarem-se de maneira contrária à construção da represa de Itaipú, então em curso naquele período. Hoje, todos sabem que tipo de ideologia a atriz supracitada apregoa…



No documentário, as assistentes sociais confessam que não compreendiam adequadamente as conseqüências do que faziam. Insistem que agiram com as melhores intenções e que não sabiam muito sobre o jugo da ditadura militar, pois viviam “soltas na buraqueira”. Eram recém-concursadas, jovens e motivadas por ideais de edificação nacional, conforme veiculado pelas campanhas publicitárias governamentais do período, amplamente falaciosas. Ao reverem as fotografias e filmagens realizadas durante o período de transporte das famílias para cidades construídas às pressas para recebê-los, elas exibem uma conscientização temporã acerca das agruras para as quais contribuíram. Uma delas, chora. Dona Pequenita, por sua vez, prefere cantar as marchinhas de Carnaval de que ainda se lembra. “Quem veve na beira do rio é tranquio”, repete ela, mais de uma vez, sorrindo.



Neste filme mais recente, os diretores demonstram que a juventude a que tanto vinculam-se não tem a ver exatamente com faixa etária. Conforme dito pelo co-diretor, em depoimento pessoal sobre a sua parceria com Marília Hughes: “temos muita paixão, energia e desejo de nos comunicar. Estou envelhecendo, mas ainda não perdi isso. Quero fazer as coisas com mais calma”. Está explicada a mudança de ritmo em "Sobradinho", portanto. As imagens e sons captadas por ele são mui acolhedoras!



Wesley Pereira de Castro. 



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