sábado, 24 de outubro de 2020

* Mostra SP: PARI (2020, de Siamak Etemadi)


 Não é nada casual que, num dos encontros fundamentais que trava na Grécia, alguém peça para a protagonista (muito bem defendida por Melika Foroutan) explicar o significado de seu nome. "Pari significa algo com asas...". "Um anjo?", interrogam-lhe. Somente muito tempo depois, ela encontrará a palavra correta: "uma fada"! E isso aplica-se ao filme como um todo, visto que a narrativa transita entre o pasticho militante e o percurso feérico, com forte elã feminista. 



A despeito de alguns elementos narrativos pouco verossímeis que permeiam a chegada dos pais do estudante Babak à Grécia, estes são reinterpretados sob a chave da incomunicabilidade cultural: por mais carinhoso que seja Ahmadi (Bijan Daneshmand) em relação à sua esposa, ele carrega até mesmo em sua efígie os traços nacionais de opressão. Vamos descobrindo que ele age de forma até abnegada em relação a ela - visto que o filho que ela tanto busca sequer é dele! - mas inevitavelmente a aprisiona, conforme fica evidente em toda a seqüência do aeroporto, em que o vislumbre de uma porta deslizante que se abre metonimiza, no olhar de Pari, o quanto ela deseja fugir... 



Na abertura, a protagonista recita os versos enômanos do poeta afegão Rumi [1207-1273], que encontra posteriormente espalhados - e traduzidos para o inglês - no quarto onde morou Babak. Com isso, o roteiro antecipa a correspondência de caracteres entre ela e o filho: ambos desejam vagar pelo mundo, ambos possuem fascínio pelo comportamento típico dos dervixes. Por ser homem e jovem, ele consegue. Ela deseja, busca, mas sucumbe às necessidades matrimoniais, muito exigentes em seus país natal. Na Grécia, após mais de um mês de confinamento forçado, ela emancipar-se-á: a derradeira seqüência do filme, em que a protagonista é mostrada, de costas, contemplando o mar, é absolutamente sublime!



Os indícios que reforçam o comportamento desejoso de Pari são abundantes na trama: além dos já mencionados, o instante em que seu chador incendeia-se, durante uma manifestação, é deveras sintomático. É ela que possui a alma ígnea, não sendo mais capaz de conter a verve incendiária de seus anseios. Dessa maneira, a busca insaciável pelo filho converte-se no ato de encontrar-se comigo mesma, enquanto processo de transferência simbólica: os 'flashbacks' que mostram-na amamentando o pequeno Babak emulam o mesmo tom libertário dos poemas de Rumi e da anarquista que beija Pari, repentinamente. A protagonista é muito maior que o filme, portanto: por ela, todos os equívocos do irregular itinerário roteirístico justificam-se! 



Wesley Pereira de Castro. 

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