Aproveitando-se o conceito sociológico de “não-lugar”, referente aos ambientes humanos de rápida circulação, notamos uma diferença radical no modo como sociedades internacionais abordam a questão dos refugiados. Se, no excelente longa-metragem de Karim Aïnouz, "Aeroporto Central" (2018), deparamo-nos com uma situação de acolhimento e nacionalização, o que é perscrutado por Bahman Kiarostami sufoca pelo excesso de ruídos comunicacionais, no trânsito entre habitantes de países vizinhos, que destacam-se pela homogeneidade idiomática, mas não político-econômica.
Por mais que, num olhar rasteiro, Afeganistão e Irã pareçam congêneres na opressão advinda da associação entre religião e Estado, o que percebemos neste documentário demonstra o quão equivocada é tal generalização: num Centro de Retorno, onde realizam-se as entrevistas que permitem que os afegãos retornem ao seu país, encontramos diversas pessoas que reclamam da desvalorização da moeda iraniana. Querem voltar ao Afeganistão porque crêem que, lá, poderão encontrar trabalho e organizar a vida, já que o poderio dos Talibãs arrefeceu. E, assim, ostentam a falta de dignidade de seus cotidianos…
Separando as entrevistas em blocos informais – os não-documentados, as mulheres desacompanhadas, os doentes, os tatuados, os viciados em drogas, etc. – o diretor mantém o espectador sufocado num emaranhado de mentiras, utilizadas como armas de sobrevivência num contexto de guerra longeva. Enquanto os afegãos inventam narrativas infundadas, no afã por retornarem ao país-natal que não mais conhecem, a canção homônima de Bob Marley and the Wailers é executada na banda sonora, falando sobre o percurso do “povo de Jah”, cujos caminhos errantes são trilhados após enorme tribulação e incompreensão. No meio de tudo isso, funcionários fatigados, ouvindo as mesmas invencionices, repetidas a fio num desgaste burocrático não impeditivo: ao final, um ônibus parte, lotado de passageiros. Mas as filas continuam imensas!
Wesley Pereira de Castro.
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