domingo, 3 de janeiro de 2010

LULA, O FILHO DO BRASIL (Brasil, 2010). Direção: Fábio Barreto


A filiação deste filme ao subgênero biográfico adverte-nos que sua apreciação repousa numa consideração prévia concessiva, em que sabemos de antemão que, entre a representação fílmica propriamente dita e os eventos reais que a deram origem, existe um projeto de supressão eventual ostensivamente ideológico, tanto que, neste caso específico, o fato de o personagem biografado ser o presidente da República Federativa do Brasil dotou a divulgação deste filme de uma polêmica ferrenha acerca de seus pretensos ideais eleitoreiros. Para além de estes ideais serem propositais ou não – fato este que tenta ser fortemente negado pelos créditos de abertura, que advertem que o filme não recebeu qualquer incentivo estatal, sendo financiado apenas por um longo rol de empresas particulares – “Lula, o Filho do Brasil” é um filme precário menos pelo que representa e mais pelo modo como representa, dado que a condução burocrática de Fábio Barreto imita as convenções adocicadas de uma telenovela vespertina, tanto que qualquer rudeza personalística por parte do protagonista é retirada, de maneira que sempre que ele é mostrado em cena, em qualquer uma das variações etárias escolhidas pelo filme, o personagem destaca-se sempre pela gentileza descomedida e pelo afeto exacerbado pelas pessoas que o cercam, exceto quando precisa enfrentar a cólera de seu pai bêbado (vivido estereotipadamente por Milhem Cortaz). Nesse sentido, segue aqui a primeira reprimenda à qualidade sub-mediana deste filme: as atuações são preguiçosas, e isto se deve menos ao talento dos bons atores escalados do que à já citada direção preguiçosa de Fábio Barreto.


Não obstante o personagem-título ser corretamente interpretado por Felipe Falanga (7 anos), Guilherme Tortolio (15 anos) e Rui Ricardo Diaz (dos 18 aos 35 anos), a verdadeira estrela do elenco é Glória Pires, que vivifica Dona Lindu, mãe do protagonista e a quem o mesmo dedica (na vida real) as vitórias atingidas em sua carreira política. Entretanto, a interpretação desta ótima atriz brasileira é predominantemente inconvincente, talvez porque a personagem nunca parece crível, tamanha a inverossimilhança de sua bondade xaroposa e dos clichês discursivos acerca da teimosia bem-sucedida dos nordestinos. Seu sotaque indistinto, seu olhar firme e compreensivo e a posse das palavras certas para usar em qualquer situação (vide o momento em que ela se recusa a entregar um filho para ser adotado pela professora vivida por Lucélia Santos) são características que dotam a personagem real de uma merecida honraria, mas, enquanto personagem fílmica, fazem com que a mesma esteja sempre negativamente sobreposta em relação aos eventos deslindados, de maneira que a recomposição mental dos eventos abordados na mente do espectador (ao contrário do que deve ter acontecido em relação à leitura do livro que serviu de base ao roteiro) seja sempre rechaçada pela grosseria actancial, o que se torna ainda mais grave quando Cléo Pires (filha de Glória Pires na vida real) entra em cena como a noiva de Lula.

Os eventos dramáticos em que o roteiro tenta se sustentar e despertar o interesse espectatorial, por outro lado, são realmente penosos, mas são também prejudicados por uma descomunal exposição tramática, seja pelo exagerado material de divulgação do filme seja pelas entrevistas com o biografado, que antecipam e tornam desprovidas de surpresas as reviravoltas do enredo, como a morte da primeira esposa e do filho do protagonista, o momento em que o mesmo perde um dedo num acidente de trabalho (não tão explorado pelo roteiro quanto deveria) e o segundo casamento com a atual primeira-dama do Brasil, Marisa Letícia da Silva, aqui interpretada pela subestimada Juliana Baroni.


Ainda comentando o roteiro de Daniel Tendler, Fernando Bonassi e Denise Paraná (autora do livro em que o filme se baseou), cabe lamentar a queda drástica de ritmo que o filme sofre na metade final, quando passa a abordar a ascensão sindicalista do personagem e encerra a mesma com um anticlímax, fazendo uso de uma elipse de mais de 20 anos de História, o que obviamente tem a ver com as manipulações eleitorais levadas a cabo pela Rede Globo de Televisão, discretamente envolvida na produção do filme e que sempre se mostrou hostil aos intentos presidenciais de Luís Inácio Lula da Silva. Nesse sentido, a cena em que os personagens incomodam-se quando uma reportagem especial do Jornal Nacional interrompe a transmissão do capítulo de telenovela a que eles estavam assistindo funciona como uma vergonhosa supressão do posicionamento ideológico que esta emissora engendrava quando a ditadura militar estava em voga no Brasil. Além disso, é lamentável o desrespeito à desenvoltura rítmica do filme, que, se é entretenedor em seus 128 minutos de duração, prejudica o charme singular de cenas emocionadas com a urgência em manter o espectador fascinado com a colagem de situações conhecidas do imaginário popular, desrespeito este que se destaca naquela que poderia ser a melhor cena do filme, quando o personagem escuta a canção-tema de seu relacionamento com a finada Lurdes (“Você”, na voz de Tim Maia) num táxi e pede que o motorista desligue o aparelho de rádio em que a mesma estava sendo executada, o que gera uma conversa que faz com que antecipemos que ele vá se apaixonar pela filha viúva do condutor do veículo. Estendendo a crítica à trilha sonora de Antônio Pinto e Jacques Morelenbaum, convém acrescentar que a mesma é efetiva quando se propõe a fixar um ‘leitmotiv’, mas é chinfrim quando se submete a acompanhamentos pleonásticos nas cenas de protesto grevista ou nos funerais que marcam a vida do protagonista.


Enxergando-se o filme de maneira técnica mais geral, reclama-se que ele seja um mero produto serial, a ser acrescentado na tendência dominante no cinema popularesco contemporâneo de biografar personalidades famosas, como Zezé di Camargo & Luciano, Cazuza ou Chico Xavier, de maneira que os esforços profissionais a ele relacionados, salvo raras exceções, atrelam-se ao mecanicismo e à padronização sub-qualitativa, conforme se pode perceber na forçada e incômoda direção de fotografia de Gustavo Hadba, que oscila entre os rápidos movimentos de câmera em cenas de tensão (que logo cedem espaço a efeitos enfadonhos de câmera lenta) e a montagem paralela e desprovida de impacto a cargo de Letícia Giffoni.

Para quem está acostumado ao estilo tedioso do diretor Fábio Barreto, portanto, o filme ganha pontos por cumprir exatamente aquilo que era esperado antes que fosse apreciado no cinema: é apenas a transcrição linear de eventos previamente conhecidos e supostamente emocionantes que, quando reproduzidos de maneira supostamente diferenciada (vide a intercalação de planos do fiel cachorro da família Silva correndo atrás do pau-de-arara em que está Lindu e seus filhos e dos créditos de abertura, por exemplo), fracassam por deixarem óbvios os intentos ideológicos e/ou puramente mercadológicos que motivaram a feitura deste filme. Por isso, é quase irrelevante que dediquemos tanto tempo a uma análise do mesmo, visto que, para os produtores e para a maioria dos envolvidos no projeto, o que interessa mesmo é o seu potencial de faturamento nas salas de exibição cinematográfica brasileiras - Ou, no máximo, um oportunista auxílio à campanha eleitoral de um abrandado Partido dos Trabalhadores nas eleições de 2010!

Wesley Pereira de Castro.

2 comentários:

iaeeee disse...

O medo de se tornar eleitoral se torna evidente no filme até na atuação dos atores. Dá a sensação de que não foram devidamente preparados de propósito, para não ficar bom, para não ficar tão bom a ponto da convencer alguém a votar no PT ou no Luís Inácio, se este voltar a se candidatar( se? kkkkk, para não dizer quando).

Apesar de aparecer pouquíssimo, achei a Juliama Baroni ( Letícia Spiller, kkkkkkkkk) a personagem mais convincente do filme. O Lula criança estava bem, poderia ter sido mais aproveitado- preguiça mesmo desse diretor! O adolescente tava adolescente e o adulto estava bem, mas eu não entendi as repentinas mudanças de voz- que ele imita muitíssimo bem.


Mas apesar de tudo há um lado positivo no filme- que você expôs aqui excelentemente. hehe
Acho que a Glória Pires fez o seu máximo e mesmo assim não convenceu muito, não por culpa dela- como falaste aqui.


Gostei muito do blog novo Wesley, espero que venham muitas críticas nuas por aí. kkkkk

Abraço grande.


Américo.

Pseudokane3 disse...

Pois é... Também gostei da Juliana Baroni, por isso a defendi como "subestimada" - e sim, concordo bastante contigo. Não à toa, trocamos tantos olhares cúmplices durante a projeção (risos)

Obrigado por ter me convencido. O filme não é de todo mal (heheheheh)

Esqueci de comnetar as mudanças de vozes do ator adulto (hehehe)

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