segunda-feira, 21 de outubro de 2013

BLING RING: A GANGUE DE HOLLYWOOD ('The Bling Ring') EUA/Reino Unido/França/Alemanha/Japão, 2013. Direção: Sofia Coppola.

Sofia Coppola é uma cineasta bastante autoral. Como tal, desde o seu longa-metragem de estréia [“As Virgens Suicidas” (1999)], ela deixou assaz demarcadas as suas obsessões temáticas: os conflitos geracionais, o fascínio ambíguo pelas celebridades midiáticas [ambíguas em essência] e o flerte imersivo com as culturas ‘pop’ e/ou ‘indie’.

Em “Encontros e Desencontros” (2003), sua obra-prima até então, ela demonstrou uma maturidade sobressalente em relação a estes assuntos, de maneira que os longas-metragens seguintes, em suas sutis metamorfoses estilísticas, apenas ratificam o que já havia sido anunciado no primeiro filme: em “Maria Antonieta” (2006), por exemplo, os anacronismos vinculados à inserção proposital de artefatos e cantos contemporâneos numa narrativa romântica situada no século XVIII funcionavam como emulações indiciais dos temas anteriormente destacados; e, em “Um Lugar Qualquer” (2010), filme de temática um tanto mais sóbria, tais temas ressurgem no modo donairoso com que um ator afamado se relaciona com a filha adolescente que praticamente desconhecia.

 Em “Bling Ring: A Gangue de Hollywood” (2013), os traços autorais da diretora são misturados de forma astuta e veloz graças ao brilhantismo da montagem de Sarah Flack (colaboradora habitual da cineasta desde o seu segundo filme), que inteligentemente dirime o perigo de a obra tornar-se enredisticamente limitada por sua obediência reconstitutiva aos fatos reais que engendraram a trama, descritos originalmente numa reportagem da jornalista Nancy Jo Sales, em que se baseia o roteiro. Este, escrito pela própria Sofia Coppola, não se limita a contar esta absurda história verídica, mas opera uma interessantíssima reversão narrativa, em que, ao mesmo tempo em que critica os estereótipos modistas que impulsionaram os rompantes criminosos dos protagonistas, lida com os chamarizes cinematográficos e cibernéticos de maneira assumidamente dúbia, a ponto de algumas celebridades aparecerem no filme interpretando a si mesmas, como Kirsten Dunst, parceira freqüente da diretora, e Paris Hilton, intensa e inclementemente citada nos diálogos.

Dedicado ao fotógrafo Harris Savides, falecido em 06 de outubro de 2012 por complicações de um câncer cerebral, este filme ostenta o seu brilhantismo potencial desde os exuberantes créditos de abertura, em que os acordes altissonantes e acelerados de uma canção [“Crown on the Ground”, de Sleigh Bells] sobrepõem-se a imagens de jóias e roupas de grifes famosas, devidamente aludidas e merecedoras de agradecimentos colaborativos nos créditos finais, muito mais brandos, ao som da oportuna “Super Rich Kids”, de Frank Ocean (com participação de Earl Sweatshirt).

A direção de fotografia compartilhada entre o próprio Harris Savides e Christopher Blauvelt proporciona momentos tão fantásticos quanto inesperados, como as extraordinárias seqüências no interior de boates, em que os protagonistas são freqüentemente mostrados fotografando a si mesmos, em ângulos cingidos, através de seus telefones celulares, e o potente instante, filmado em ‘contra-plongeé’, a partir da câmera embutida de um computador, em que o afetado Marc Hall (Israel Broussard) rebola, usa maquiagem feminina e consome drogas inaláveis ao som de “Drop it Low”, de Ester Dean e Chris Brown. Na trilha sonora, inclusive, merece destaque o modo genial com que a diretora mescla as sonoridades apaziguadoras da banda francesa Phoenix [“Bankrupt!”] e do músico Brian Reitzell [que compôs “The Bling Ring Suite”] com as irrupções frenéticas de Kanye West [“Power” e “All of the Lights”], M.I.A. [em “Bad Girls” e “Sunshine”], Reema Major [“Gucci Bag”] e Azealia Banks [“212”], entre tantos outros artistas.

 Não obstante ser dotado da perspectiva subjetivo-confessional que concatena e incita as demais personagens, Israel Broussard oferece uma interpretação tão travada quanto os comportamentos sociais do homossexual enrustido que vivifica, mas isso não impede que seja reverenciada a homogeneidade do excelente elenco, que inclui Leslie Mann, ótima como sempre, no papel da mãe fútil de uma das ladras, insistentemente mostrada em arremedos de rituais religiosos inspirados por ‘best sellers’ de auto-ajuda. Porém, quem mais se destaca no filme são Katie Chang, no papel da dissimulada Rebecca, Claire Julien, que personifica a deslumbrante Chloe, e Emma Watson, irreprochável como a carente e deslumbrada Nicki Moore, que reaparece depois de serem anunciadas as sentenças prisionais dos personagens, sendo entrevistada pelo âncora de um programa sobre a vida íntima das celebridades, comentando que estivera na mesma cena que Lindsay Lohan, atriz juvenil continuamente presa por estar dirigindo embriagada. Quando Nicki olha para a tela da TV e divulga orgulhosamente o seu ‘blog’, percebemos o quanto o roteiro foi sagaz na demonstração da incapacidade da geração à qual ela pertence em assumir as responsabilidades por seus delitos: a fama instantânea desencadeada pela cleptomania de luxo que ela põe em prática a converte num pasticho de celebridade, o que é previamente antecipado no enredo a partir da afinidade dos personagens com jargões e letras de canções que valorizam as atitudes de ‘bitches’ [vadias] e ‘gangstas’ [malandros] e no inusitado questionamento que Marc faz a Rebecca: “se nós deixarmos de ser amigos, tu vais roubar a minha casa?”. “Bling Ring: A Gangue de Hollywood” é, sobretudo, um poderoso testemunho de época! 

 Numa comparação com os demais filmes da diretora, esta obra mais recente revela-se deficitária em mais de um aspecto – em especial, na confecção de seu roteiro, muito mais “óbvio” que os anteriores – mas, ainda assim, a insistência discursiva sobre as características peculiares (e tão influenciáveis quanto influenciadoras) dos jovens hodiernos, para além de suas condições de classe ou configurações gentílicas, evidencia o quanto a diretora é percuciente em seu olhar autoral, a ponto de permitir que o filme pareça se confundir com o que está sendo criticado, já que o espectador é mergulhado em situações de intensa percussividade somática, introjetando o frenesi dos personagens em sua praticamente ininterrupta rotina de festas, culto à própria imagem e consumo abundante de álcool, música dançante e cocaína.

Se, na quinta vez em que a gangue juvenil invade a residência de Paris Hilton, o chiste já não é tão interessante (ou surpreendente), a preparação noticiosa para o contexto em que esse tipo de invasão é possível salta aos olhos, visto que muitas das mercadorias (supérfluas) furtadas são facilmente substituíveis ou ignoradas pelos milionários lesados.

 A lógica do valor de uso é completamente esvaziada, sendo hipertrofiado um simulacro de valor de troca que perpetua, dentro e fora das telas, as crises falsamente desejosas – e encadeadas de maneira psicótica – que acometem os personagens, atingem alguns dos espectadores e, infelizmente, não ficarão restritas a este filme, que já é a versão ficcional de uma patética situação real. Insistindo no que já foi dito, estivemos diante de um verdadeiro filme-testemunho, que, apesar de fadado a envelhecer muito rápido, diagnostica de maneira pluridimensional as fraquezas e destrezas da faixa etária que, não por acaso, é o público-alvo dominante dos produtos hollywoodianos atuais...

 Wesley Pereira de Castro.

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