quarta-feira, 7 de maio de 2014

OBJECTIFIED ('Objectified'') EUA, 2009. Direção: Gary Hustwit.

AVISO PRÉVIO: este artigo é, na verdade, decorrente de uma crise produtiva aliada a uma exigência em sala de aula. Um professor pediu que resenhássemos um longa-metragem incisivo em suas observações sobre o 'design', e comparássemos alguns de seus conceitos com a atividade jornalística. Gostei muito do filme, mas não sei se entendi bem a exigência avaliativa. O resultado é o que se segue. 

Produzido como parte de um projeto mais amplo do cineasta Gary Hustwit sobre as influências do ‘design’ gráfico na sociedade [antes dele foi lançado “Helvetica” (2007, ainda não-visto), sobre tipografia; e, em seguida, “Urbanizada” (2011), sobre a planificação urbana de diferentes cidades ao redor do mundo], “Objectified” tem como ponto de partida um jargão proferido por um dos entrevistados: “o ‘design’ é a busca da forma”. A partir disso, o filme discute variadas questões relacionadas à dicotomia entre formato e funcionalidade.

Num dos momentos mais inspirados do filme, um ‘designer’ compara três diferentes tipos de aspiradores de pó: um deles é tão bonito que, além de servir para aspirar o pó dos ambientes, pode ser utilizado como adorno; um segundo tipo se destaca pela capacidade de penetrar em espaços íngremes; e um terceiro chama a atenção pelos benefícios interativos, chegando ao luxo de poder ser manobrado por um hâmster. Num cotejo com a atividade jornalística, esta apresentação tripartite das propriedades do ‘design’ leva-nos a questionar os conceitos-chave explorados pelo entrevistado: as relações entre o formato de um determinado produto e a sua contribuição utilitária, sua diferenciação externa e seu potencial de reatividade às particularidades dos usuários ou consumidores.

 Entendendo-se os resultados jornalísticos como produtos midiáticos, é possível adotar as mesmas preocupações externadas pelos ‘designers’, no filme, em relação aos “excessos” de sua profissão no contexto exageradamente competitivo da Indústria Cultural hodierna, marcada sobretudo pela globalização. Não por acaso, o filme acompanha a similaridade das campanhas publicitárias de determinados artefatos tecnológicos em diferentes países, demonstrando o quanto a disseminação popular destes visa à massificação do consumo, que, em sua imposição, tolhe as particularidades culturais dalgumas regiões. Cabe ao jornalista, portanto, a investigação sobre as condições de apropriação de um determinado requisito noticioso num dado local, o que, no caso do documentário, encontra eco no depoimento da ‘designer’ que traz à tona questões de sustentabilidade ou preservação ambiental.

No filme, é dito que “as pessoas são criativas por natureza e nem sempre se satisfazem com aquilo que lhes é ofertado”, o que não implica numa ode desenfreada à manipulação ‘per si’ das formas: quase todos os depoentes concordam que, no ‘design’, a (aparência de) simplicidade é um dos maiores méritos, o que equivale à concisão e a linearidade dos textos jornalísticos, comumente normatizados através de modelos como os de ‘lead’ ou da “pirâmide invertida”.

Ampliando a comparação – e escolhendo um dado tipo de produto jornalístico (a crítica cinematográfica, por exemplo) – tem-se a oportunidade de investigar em quais medidas a “forma” de um texto destaca-se ou coaduna-se a seu conteúdo, sendo o equilíbrio entre uma e outro o seu ideal. É interessante como, no filme, uma anedota elementar sobre um problema engendrado pela diferenciação excessiva de formatos (as flechas personalizadas de uma determinada tribo indígena, que, por serem distintas de um a outro individuo, não podiam ser reutilizadas em arcos alheios) justifica a existência de normas reguladoras e de referências diacrônicas no ‘design’, tanto quanto acontece no Jornalismo enquanto curso universitário.

A saturação de formatos – muitos deles “inúteis” ou preciosistas – é uma conseqüência nociva da industrialização exacerbada, problema este que, por ser equanimente despejado pela cultura de massa, interfere na maneira como as pessoas (ou os consumidores) relacionam-se afetivamente com os produtos que adquirem, visto que não apenas “todo produto conta a sua própria história” (percepção atribuída ao industrial Henry Ford) como faz sentido o conselho ofertado por um dos ‘designers’ ao final do documentário: “tu és a única audiência que importa”. Ao final do documentário – e da comparação jornalística aqui pretendida - quedam, portanto, muito mais questões que respostas!

Wesley Pereira de Castro.

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