quinta-feira, 8 de julho de 2021

Netflix: RUA DO MEDO: 1994 - PARTE 1 (2021, de Leigh Janiak)


 A seqüência inicial denota a afinidade da diretora em relação à sua temática, numa reconfiguração 'pop' do terror adolescente: ela dirigiu alguns episódios da série de TV baseada em "Pânico" (1996, de Wes Craven), e as homenagens são evidentes. Porém, o chamariz esgota-se rapidamente: os livros nos quais esta trilogia é baseada parecem demarcados pelo mote concatenador da maior parte das produções originais netflixianas, a predominância dos ganchos narrativos superficiais em detrimento dos demais aspectos tramáticos. Em determinado momento - mais precisamente, após o entrelaçamento de duas cenas de sexo e uma masturbação, ao som de "Sweet Jane", na versão dos Cowboy Junkies - qualquer vestígio de coesão roteirística é demolido: este filme é uma mera sucessão de pretensos clímaces, em que o terror tem mais a intenção de divertir que assustar. O que não chega a surpreender negativamente, visto que o projeto não nega as suas limitações, convertidas em bem-sucedida publicidade anacrônica, para além das épocas mencionadas nos títulos... 



Como sói acontecer na orientação dos enredos aproveitados pela plataforma, a assimilação capitalista das reivindicações identitárias desemboca em tramas mal-alinhavadas, que ignoram convenções históricas em prol de um discurso chavonado e centrado na teleologia da banalidade pseudo-corretiva. Assim sendo, homossexuais e negros são escolhidos como protagonistas, desde que anulem os seus caracteres em prol da cartilha arrivista de personagens de pequenas cidades norte-americanas, que sonham com as promessas metropolitanas de consumo. Os estereótipos dos "perdedores" pretensamente emancipados são embalados por uma trilha cancional esperta (Bush, Radiohead, Garbage, Portishead, Snoop Doggy Dogg, etc.), que visa à manutenção de um estado catártico de identificação em espectadores nostálgicos. Sob este prisma, o filme até que funciona: pena que, exceto pela propulsão investigativa de seus mistérios macabros, quase tudo é esquecível ou descartável. O projeto empurra tudo para depois, como ocorre nos créditos finais, que antecipa cenas do segundo capítulo da trilogia. O importante é manter a platéia perenemente enfeitiçada, querendo mais do mesmo! 



Diante da confirmação temporã das percepções frankfurtianas, resta pouco a ser analisado em filmes como este: de que adianta falar sobre interpretações, fotografia ou subtextos ideológicos quando o que interessa são os 'easter eggs' prontamente divulgados em sítios eletrônicos de fofocas cinematográficas, disfarçados de arremedos de portais críticos? Ao menos, a direção é eficiente e há algo de atrativo no modo como os alinhavamentos previsíveis são deslindados (pensemos nos diálogos auto-referenciais) e na direção de arte 'neon-chic'. Enquanto sinal dos tempos hodiernos, o filme comunica algo: o próprio esgotamento enquanto fórmula duradoura. Parabéns para a Netflix, portanto! 



Wesley Pereira de Castro. 

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