sexta-feira, 10 de setembro de 2021

A FAMÍLIA MITCHELL E A REVOLTA DAS MÁQUINAS (2021, de Michael Rianda & Jeff Rowe)


Em sentido geral, o roteiro deste filme é um entulhamento de clichês. Prevemos como as situações belicosas serão resolvidas e identificamo-nos tangencialmente com os dilemas enfrentados pelos personagens: quem nunca teve problemas para ser aceito por (e/ou aceitar) a própria família? A diversão, portanto, é garantida, ainda que o filme seja atravessado por inevitáveis contradições: para que as máquinas sejam derrotadas, é essencial que existam máquinas lutando contra elas. Para que a tecnologia não destrua a harmonia familiar e a pujança dos valores humanos, depende-se justamente das intervenções tecnológicas. "Fomos salvos por causa de nossas falhas", concluem dois robôs adotados pela família titular, depois que passam a apresentar defeitos de programação. A mensagem é clara, não é? 


Para além de sua linguagem rápida, do recurso aos 'memes' como complementos animados e das abundantes referências 'nerds', o filme é muito hábil no manuseio de suas convenções enredísticas - e até mesmo surpreendente ao ousar que a protagonista seja respeitada como lésbica. As intenções fílmicas são as mais intencionadas possíveis, não obstante a aparência maniqueísta de alguns embates. No desfecho, 'boomers' e "geração Z" aprendem a conviver harmonicamente, utilizando as suas diferenças em prol da resolução de conflitos domésticos e até mesmo mundiais. Não por acaso, os andróides incomodam-se com humanos que imitam o seu jeito robótico de andar: "estes estereótipos machucam"!


É quando a sessão termina que a elaboração discursiva do filme funciona melhor: numa animação demarcada pelos chavões - em que a terminologia cara a quem usa Instagram é requisitada -  o apelo à conciliação irrestrita entre personalidades opostas surge enquanto manifesto: nalgum momento de nossas vidas, todos nós somos obrigados a desistir de algo por amor a outrem. Extremismos passionais redundam em intolerância, quando não são cotejados ao bem estar comunal: fazendeiros, professores, fãs de dinossauros e cinéfilos podem relacionar-se em esplêndida harmonia, desde que saibam apoiar-se nos instantes em que a união é requisitada. Comparar-se com os demais é absolutamente não recomendado: aceitemo-nos e amemo-nos como somos!


Tudo isso aparece no filme de maneira consoante ao fluxo irrefreado de informações na contemporaneidade: a tecnologia não é boa nem má, mas depende de quem a controla. Idem quanto às regras de convivência local. O problema é quando ignora-se a lógica capitalista que, em sua hipertrofia sistêmica, a tudo assimila, a tudo cerceia. A adolescente Katie Mitchell, na urgência por ser admitida em sua "tribo" universitária, comporta-se como um alter-ego da "equipe de humanos" que realizou o longa-metragem, o que justifica o tom adesivo desta resenha. As fotos de infância mostradas nos créditos finais confirmam a efetividade desta opção crítica. Idem quanto à simpatia do cachorro Monchi e ao charme maléfico da voz de Olivia Colman como vilã digital. É um filme ideal para ser conferido em família: faz jus ao seu título! 



Wesley Pereira de Castro. 

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