segunda-feira, 14 de abril de 2025

ALEGORIA URBANA (2024, de Alice Rohrwacher & JR)

Enquanto a cineasta italiana Alice Rohrwacher demonstra, filme após filme, a pujança política da ingenuidade (em faceta ostensivamente pueril), o artista gráfico francês JR não disfarça as suas pretensões desveladoras, a partir de intervenções artísticas nos espaços urbanos. A colaboração entre ambos, através da extensão roteirística de um projeto anterior do artista ("Chiroptera", espetáculo de balé que adapta, numa combinação entre dança e jogo de sombras, a "Alegoria da Caverna", de Platão), permite que reconheçamos as idiossincrasias estilísticas dos dois colaboradores, tanto na direção quanto no roteiro, com participação ativa de Leos Carax como ator. 



No início deste curta-metragem, uma bailarina (Lyna Khoudri) corre pelas ruas parisienses, atrasada para uma audição. Ela está com seu filho Jay (Naïm El Kaldaoui), febril e ansioso para entregar um presente para o seu pai, que está em férias. No afã para participar da seleção de um espetáculo de dança contemporânea, ela tenta justificar o seu atraso pelas condições relacionadas à doença do garoto, a despeito da irritação das demais bailarinas, que já estavam na fila. Curiosamente, o diretor do espetáculo percebe a sensibilidade do menino, compartilhando consigo a mensagem embutida na alegoria filosófica que serve de base para a apresentação que ensaia. Novamente nas ruas, agora sozinho, Jay põe em prática o que aprendeu, concedendo a deixa para que JR exercite a sua inventividade visual, na aplicação de fotografias expandidas em paredes onde se proíbe a colagem de cartazes... 


Deveras simpático naquilo que deseja demonstrar - a constatação de que "não é possível libertar-se sozinho" e o contraponto entre imagens que, em seu caráter ilusório, são contempladas ao mesmo tempo em que se percebe que estamos aprisionados por grilhões reais -, este curta-metragem aproveita a efígie carismática do garotinho para, numa animação, conclamar os transeuntes a retirarem o véu da proibição dos espaços pelos quais transitam. Sob o olhar concordante do criativo realizador Leos Carax, Jay faz com que a exortação platoniana não permaneça confinada no palco onde está sendo apresentado o supracitado espetáculo "Chiroptera", musicado por Thomas Bangalter (integrante da dupla eletrônica Daft Punk). No desfecho, a própria tela em que vemos este filme é rasgada pelo ato libertador da criança. Diretora e artista foram exitosos na transmissão conjunta de seus respectivos discursos, portanto! 



Wesley Pereira de Castro.