segunda-feira, 19 de abril de 2010

AS MELHORES COISAS DO MUNDO (Brasil, 2010). Dirção: Laís Bodanzky


Na primeira cena do filme, o narrador e protagonista Hermano (vivido com muita graça pelo estreante Francisco Miguez) repete a declaração, feita por seu pai, de que “a melhor fase da vida é a infância e que esta passa rápido demais”, ao que ele discorda, afirmando que demorou muito para que ele atingisse a sua liberdade. Ao final do filme, ele afirma que “não é impossível ser feliz depois que se cresce. É apenas mais complicado”. Nos 107 minutos que separam a contestação da primeira afirmação e a aceitação resignada da segunda, entramos em contato com uma simpática amostragem do cotidiano adolescente contemporâneo, que apresenta particularidades tecnocráticas mui peculiares que, ao mesmo tempo que o distingue radicalmente das gerações adolescentes anteriores (distinção esta muito bem apontada no filme através do ótimo personagem de Caio Blat), possibilitam a instauração de conflitos publicamente interativos que reformulam a noção de dramaticidade no que se convencionou chamar de Era da Informação.

No caso do filme em pauta, o questionamento acerca de o quanto esta pletora de informações altera a sensibilidade dos adolescentes em relação aos dramas que enfrentam (ou pensam enfrentar, em alguns dos casos) vem à tona em três situações-chave, todas elas largamente comentadas por uma blogueira contumaz: a disseminação de fotografias eróticas da adolescente mais cobiçada do colégio em que Hermano estuda, através da qual o mesmo tem sua iniciação sexual; a demissão de um professor de Física bem-quisto pelas alunas do colégio, depois que uma delas (interpretada pela mui expressiva Gabriela Rocha) lhe aplica um beijo num restaurante; e a difusão polêmica da informação verídica de que o pai do protagonista separou-se de sua esposa para viver um romance homossexual, o que ocasiona até mesmo um espancamento. Para além de merecer com louvor os aplausos que vem recebendo em algumas sessões, este filme possui alguns problemas estruturais suspeitos que, não obstante conservarem incólume a simpatia identificatória em relação aos ótimos personagens, precisam ser evidenciados no que tange ao atrelamento do mesmo à possível exploração comercial futura em um formato televisivo seriado, tal qual aconteceu com os livros de Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto que deram origem ao roteiro de Luiz Bolognesi, marido e parceiro habitual da diretora. Vamos a estes problemas, antes que tenhamos oportunidade de novamente elogiar o inspirado sopro de vida que este filme lança no ideário adolescente contemporâneo.


A não-dominação da perspectiva narrativa de Hermano em relação aos eventos que o circundam talvez seja o grande problema de subsunção institucional/mercadológica que este filme enfrenta, no sentido de que a concomitância de várias instâncias narrativas diz menos respeito a uma plurivocalidade personalista do que à exaltação egocêntrica do personagem Pedro, irmão do protagonista, que é interpretado por Fiuk, um astro forçosamente ascendido da Rede Globo de Televisão. Em dado momento do filme, portanto, quando já estávamos acostumados a acompanhar os eventos através do prisma sentimental de Hermano, sem julgá-lo pelos erros cometidos e mais tarde justificados por um aforismo pertinente de seu professor de violão (surpreendentemente crível através da interpretação de Paulo Vilhena), a depressão reinante de Pedro assume o papel quase principal do filme e, graças à difusão crescente de suas próprias atividades enquanto blogueiro poético suicida, engendra uma reunião apaziguada dos membros de sua família (incluindo o namorado de seu pai), que, apesar de ser considerada hipócrita pelo jovem que tentara se suicidar, é moralmente validada pelo roteiro, que encontra aqui seu canal dominante de inoculação ideológica. Em verdade, há de se convir que o referido personagem Pedro cresce bastante no decorrer da trama, no sentido de que abandona a ignorância responsiva do início e assume a fragilidade rebelde no final, quando resolve propor à sua ex-namorada uma tentativa de reconciliação poligâmica, mas, ainda assim, sua concepção como um todo é deveras suspeita levando-se em conta os interesses vislumbrados por alguns dos produtores do filme.


Por mais que se possa reclamar de alguns desvios ideológicos e disritmias estruturais do roteiro, a homogeneidade actancial dos elencos adulto e juvenil merece destaque, no sentido de que isentam-se dos cacoetes de estúdio a que estes atores poderiam estar submetidos, conforme demonstram a firmeza de Denise Fraga em impedir que sua personagem torne-se caricata ao defender a todo custo a aplicação de éticas de conduta profissional ou o já citado desempenho de Caio Blat, que assume-se como porta-voz sincero (e obviamente secundarizado) daqueles que se opõem às estruturas canônicas de dominação econômica, e que se pode constatar particularmente na brilhante seqüência em que ele se mostra previsivelmente escandalizado diante das propostas monetifágicas de uma chapa de grêmio estudantil que se auto-batizou “Grana” – e que, não por acaso, será a chapa vencedora na eleição que ocupa o roteiro por algum tempo. No que se refere à condução directiva singela de Laís Bodanzky, pode-se perceber um evidente conflito interno em relação à polidez formal e as soluções supostamente livre-arbitrárias, deveras funcional na cena de abertura, em que ‘riffs’ pesados de guitarra são substituídos por uma música suave no mesmo plano em que Hermano deita-se no chão refletindo sobre o seu futuro, e precipitada ou clicherosamente equivocada na cena em que o protagonista e seus colegas fogem de um bordel quando a fraude de um deles em relação ao pagamento faz com que o mesmo seja alcunhado de “‘playboy’ de condomínio”.

A introdução iterativa da canção “Something” (de The Beatles) em momentos pontuais da trama, visto que esta canção é a preferida do protagonista e com a qual ele vislumbra conquistar as meninas por quem se apaixona, também se revela positiva, não obstante os perigos formulaicos a que esta adesão musical pré-consagrada poderia pressupor.


Aproveitando o inspirado título do filme, posto em cena justamente pela excelente personagem Carol – de longe a melhor coisa do filme! – chama a atenção o modo como ele assegura a cumplicidade com o público (seja qual for a faixa etária) através da exposição elaborada de problemas inevitáveis da contemporaneidade, que culmina no momento de grande dramaticidade terapêutica em que Hermano e sua mãe atiram ovos contra a parede da cozinha depois de um paroxismo de fúria. Junto à qualidade cinematográfica destacável desta seqüência, podemos enumerar todas as ótimas conversas entre Mano e Carol no interior de um ônibus, a filmagem entrecortada da peça teatral concebida por Pedro, o uso incidental da trilha sonora a cargo de BiD (onde merece crédito a maravilhosa seqüência em que Gabriela Rocha cantarola “Com Mais de 30”, de Marcos Valle) e a boa edição de Daniel Rezende, que tem um senso preciso de onde utilizar a montagem saltada e os ‘fade-outs’. Ainda que seja o filme menos habilmente controlado pela diretora Laís Bodzanky, “As Melhores Coisas do Mundo” é prenhe de vida e de originalidade representativa. E isso conta muito na pletora sub-igualitária dos dias atuais!

Wesley Pereira de Castro.

Um comentário:

Papai Noel disse...

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