segunda-feira, 23 de setembro de 2013

ELYSIUM ('Elysium') EUA, 2013. Diretor: Neill Blomkamp.

A estréia do sul-africano Neill Blomkamp em longa-metragem, aos 30 anos de idade, com o filme de ficção cientifica “Distrito 9” (2009) impressionou por causa da impavidez política de seu roteiro e pela firmeza directiva que emulava Paul Verhoeven e David Cronenberg no modo como atrelava perspectivas extremamente autorais a estratagemas genéricos com vistas à bilheteria. De fato, o filme, uma produção com financiamento modesto para os padrões hollywoodianos, obteve surpreendentes – e merecidos – resultados de público e crítica, catapultando o diretor para um projeto mais ambicioso, no qual ele insistiu em manter a pujança contestatória.

Ainda que “Elysium” (2013) pareça demasiado concessivo em sua propensão às cenas de ação física, o enredo promissor em seu delineamento crítico da faceta contemporânea da luta de classes demonstra que o diretor não é incoerente em relação à própria inteligência e à sensibilidade denuncista: a extraordinária direção de arte e a fotografia sempre estourada de Trent Opaloch (que nos faz experimentar a quentura extremada dos cenários terrestres depauperados) são alguns dos aspectos mais elogiáveis do filme, cujos minutos iniciais chamam a atenção pela brevidade com que situam o espectador no contexto segregatório em que o personagem de Matt Damon e seus vizinhos latino-americanos viviam. Entretanto, esta brevidade anuncia um dos maiores defeitos do filme: a sua precipitação factual, corroborada pela montagem velocíssima de Julian Clarke e Lee Smith. Tudo acontece muito rápido e os delicados antagonismos classistas que são anunciados na trama são suplantados pela superficialidade estereotípica dos embates belicosos.

 Se, por um lado, não se pode reclamar que as atuações de Matt Damon ou Sharlto Copley sejam ruins, por outro, seus personagens são aprisionados em configurações deterministas de personalidade: o primeiro, Max da Costa, é um órfão que, desde a infância, é condicionado a crer que é um menino especial e que, como tal, realizará algo muito importante em sua vida – quiçá, ao preço de sua própria vida; o segundo, cognominado apenas pelo sobrenome Kruger, é um mercenário crudelíssimo e conhecido pelo temperamento arredio e pelo histórico criminal marcado por estupros e espancamentos.

 À medida que a trama evolui, eles tornam-se inimigos mortais por envolverem-se diretamente nas tramóias da xenofóbica secretária Delacourt (Jodie Foster, ótima), em seu afã por se tornar a detentora do poder supremo na colônia espacial Elysium, no século XXII, onde vivem as pessoas ricas que fugiram da destruição da Terra – causada por seus próprios habitantes – que possuem em suas residências leitos capazes de curar qualquer moléstia corporal. É justamente de um desses leitos que Max precisa para se salvar, visto que fora submetido a uma carga letal de radiação em seu emprego e tem apenas cinco dias de vida, mas é impedido tanto pelas intervenções opositivas de Kruger quanto pela complexidade do entrosamento relacional com seus amigos, o oportunista Spider (Wagner Moura, excessivamente afetado), que contrabandeia passagens para Elysium, e a enfermeira Frey (Alice Braga), por quem se apaixona e resolve se sacrificar, a fim de assegurar que a filha dela, portadora de um estágio avançado de leucemia, tenha direito à recuperação. Pena que, em meio a este interessante entrecho, soluções ‘blockbusterianas’ se interponham.

 Escrito pelo próprio diretor, o roteiro deste filme é prejudicado pelos diálogos simplistas, que, em mais de um momento, parecem uma mera atualização dos filmes de ‘kung fu’ da década de 1970, em que o que mais importavam eram as lutas. Não por acaso, diversos aspectos do filme confirmam esta impressão (vide a utilização de uma espada pelo vilão e o momento em que alguém comenta que Max será um “ninja da favela” após aplicar um exoesqueleto metálico em seu corpo), mas, em termos imagéticos, o filme com o qual “Elysium” revela mais proximidade é a produção B “Cyborg, o Dragão do Futuro” (1989, de Albert Pyun), por causa justamente de seu cruzamento ‘high tech’ entre as artes marciais e o clima pós-apocalíptico. A abordagem bem mais politizada de Neill Blomkamp, entretanto, esbarra em seu tratamento maniqueísta dos personagens e cenários, sendo atravessado por preconceitos o registro autodestrutivo do modelo de vida dos vizinhos de Max, poluidores, desordeiros, usuários de drogas e hostis, em contraponto aos habitantes de Elysium, impessoais e folgazões. Mas isto não impede que, ao menos sinopticamente, o filme seja digno de elogios por sua envergadura sociológica.

 Dentre os aspectos técnicos que enviesam negativamente o ótimo ponto de partida tramático deste filme destacam-se: a trilha sonora incoesa, que mistura talentosos artistas eletrônicos (Lorn, Arkasia, Gambit, Kryptic Minds) à partitura original de Ryan Amon sem que estes se coadunem climaticamente ao que é mostrado; a unilateralidade na concepção dos personagens mesquinhos (vide os funcionários superiores que oprimem Max em seu emprego, incluindo o desdenhoso John Carlyle, vivido por William Fichtner); e o sobejo de pirotecnia, que torna muitos planos do filme opacos e/ou desfocados em seu entulhamento de explosões. Os ‘flashbacks’ langorosos e a precipitação com que a garotinha Matilda (Emma Tremblay) narra a fábula bem-intencionada do suricato ajudado por um hipopótamo que só queria ter um amigo também se associam primariamente a estes aspectos, mas não são completamente desprovidos de validade dramática, sendo essenciais para a compreensão da atitude sacrificial de Max ao final, depois de ter passado a vida inteira lidando com a opressão incontinente das instituições policiais e legislativas, como fica evidente nas ótimas seqüências em que ele é agredido num ponto de ônibus ou quando ele é escorraçado verbalmente por um agente eletrônico de prisão condicional.

Apesar de ser falho em seus intentos políticos mais gerais – bastante conjugados à ínclita realização anterior de Neill Blomkamp – “Elysium” não é um mau exemplo de ficção cientifica. O problema é que ele é afligido, em suas exigências de produção, justamente pelo tipo de abuso de poder que tentou delatar...

 Wesley Pereira de Castro.

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