quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Berlinale 2021: RODA DO DESTINO (2021, de Ryusuke Hamaguchi)


Num impulso exordial, o modo como os três contos deste longa-metragem são construídos tem muito a ver com o estilo de Éric Rohmer e Hong Sang-Soo: em relação ao primeiro, por causa dos percursos surpreendentes que advêm de encontros casuais; em relação ao segundo, por causa da sutileza dos diálogos, pela recorrência dos motes alimentícios (nesse caso, o chá) e pela trilha musical pianística e graciosa. Entretanto, o desenvolvimento hamaguchiano é ostensivamente literário, malgrado tratar-se de um roteiro cinematográfico original. Não que as imagens sejam dispensáveis ou desleixadas (muito pelo contrário!), mas a perversão induzida ultrapassa estes recursos audiovisuais, instalando-se na imaginação do espectador, que coteja o que é visto e ouvido com suas próprias experiências íntimas. A fantasia não aparece no título por acaso; o destino, muito menos! 


Distinguindo-se dos cineastas em relação aos quais foi comparado - e diferenciando-se até mesmo da tendência dominante no cinema de seu país - Ryusuke Hamaguchi sexualiza bastante cada detalhe de seu filme, ainda que isso não elimine a delicadeza inata do cotidiano. No primeiro episódio, cujo título emula a magia dos encontros românticos iniciais, a duração estendida de uma conversa entre amigas antecede uma revelação chocante, que conduz a um desfecho duplicado (uma reação possível versus uma contenção provável). O segundo episódio menciona portas escancaradas em seu título, e obedece a um percurso que beira a metalinguagem, ao fazer com que sua protagonista pergunte ao autor de uma passagem erótica se ele estava com o pênis ereto ao escrevê-la. Diante da resposta evasiva, um pedido: "masturbe-se quando ouvir a minha voz lendo o meu trecho favorito de sua obra". O terceiro episódio, por sua vez, é mais corriqueiro, porém sublime em seus questionamentos sobre o "lesbianismo genuíno" e sobre a reiteração de algo que teria acontecido em momentos separados das juventudes de duas mulheres: imaginar é também lembrar, no contexto platônico dos (re)encontros...


Nos três casos, o diretor acredita no poder das conversações, enquanto reparadoras dos males provocados pelo tempo, pelas ocupações empregatícias e pelas versões mal-intencionadas de enredos balizados pelas traições. A inevitabilidade dos comportamentos psicologicamente destrutivos, as armadilhas sociais oriundas dos planos rancorosos de vingança e as conseqüências fetichistas da inoculação tecnológica são alguns dos temas que motivam as ações das personagens femininas, não obstante elas seguirem rumos inesperados: seja através de um fingimento por cortesia num restaurante, do envio equivocado de uma mensagem licenciosa por e-mail ou de um vírus de computador que interdita os serviços de 'streaming'. Tudo no filme transita entre o trivial e o escandaloso, entre o que é esperado que aconteça e o que é inventado para ser revivido. Uma pequena obra-prima sobre uma necessidade humana elementar: a vontade de estar ao lado de quem amamos (e/ou de quem desejamos sexualmente)!



Wesley Pereira de Castro. 

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