domingo, 12 de fevereiro de 2023

BATEM À PORTA (2023, de M. Night Shyamalan)


Apesar de ser baseado num material pré-existente - o romance "O Chalé no Fim do Mundo", de Paul Tremblay, acerca do qual parece bastante fiel - , o roteiro deste filme acentua obsessões que o diretor abordara em seus melhores filmes, como a proximidade do Apocalipse e o impacto dos traumas derivados da violência urbana nos comportamentos recônditos de seus personagens. Entretanto, aquilo que parece fundamental nas obras deste grande autor cinematográfico é a sua crença na narrativa como algo sustentacular em si mesma, estando muito mais preocupada em demonstrar coerência interna que em ser confirmada por fatos exteriores, não obstante ambos os aspectos estarem conjugados. Conforme o desfecho simbólico deixa bastante evidente, casualidade também atrela-se à causalidade: seria por acaso que "Boogie Shoes", de KC and the Sunshine Band, toca no rádio exatamente naquele momento? Maria de Nazaré recebendo a visita do arcanjo Gabriel que o diga! 


Diferentemente de cineastas esquemáticos como Christopher Nolan ou Darren Aronofsky, M. Night Shyamalan não fica plantando pistas que só serão desvendadas a posteriori, ainda que as metáforas bíblicas sejam cumulativas. Ao invés disso, ele prefere confiar nas possibilidades do próprio ato de narrar, tornando-nos simultaneamente cúmplices e testemunhas daquilo que é exposto e acreditado pelos personagens. Ao assumir que os visitantes indesejados da cabana titular são representantes contemporâneos dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Peste, Guerra, Fome e Morte), o diretor-roteirista prefere associá-los aos aspectos típicos do ser humano: maldade, acolhimento, cura e orientação, sendo três positivos e apenas um negativo. Trata-se de um realizador que acredita efetivamente na redenção das pessoas, de modo que, quando o casal homossexual (Jonathan Groff e Ben Aldridge) percebe que um daqueles messiânicos (Rupert Grint) é um agressor homofóbico, isso não faz com que duvidemos de suas intenções salvacionistas. Até que os julgamentos de "parte da humanidade", metonimizados através dos sacrifícios consentidos dos invasores, redundam em tragédias amplamente noticiadas... 


Demonstrando um domínio completo de recursos cênicos, o diretor abusa dos 'close-ups' e dos reenquadramentos que valorizam a especificidade daquele cenário confinado, enquanto representação fabular voluntária, tanto quanto a obra-prima "A Vila" (2004) também era. Apaixonamo-nos imediatamente pela ternura e sensatez da garotinha Kristen Cui, ao passo em que não questionamos a capacidade pedagógica de Leonard (Dave Bautista), que demonstra-se solenemente devotado ao progresso relacional de seus alunos. Sem aderir à sanguinolência explícita, mesmo que a trama e as convenções de gênero assim requeiram, o filme demonstra-se tão zeloso quanto a enfermeira Sabrina (Nikki Amuka-Bird) é em relação aos seus pacientes. Ao final da sessão, por mais que saibamos que milhares de pessoas morreram em razão de desastres ambientais, vírus devastadores, acidentes aéreos e tempestades, temos ainda mais certeza de que a pacificação foi instaurada. Ponto para a excelente fotografia de Jarin Blaschke e Lowell A. Meyer, para a gravidade oportuna dos acordes musicais de Herdís Stefánsdóttir e para as ótimas interpretações de um elenco inicialmente heterogêneo. As transformações proporcionadas pela Fé são mesmo arrebatadoras! 



Wesley Pereira de Castro. 

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