quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Festival de Gramado 2024 - Documentários: CLARICE NISKIER - TEATRO DOS PÉS À CABEÇA (2024, de Renata Paschoal)


Mesmo quem não conhece a trajetória da atriz carioca Clarice Niskier - conquanto ela tenha dedicado mais de quatro décadas de sua vida ao teatro -, há de ficar fascinado perante a costura de entrevistas e trechos de suas atuações, neste documentário composto sobretudo por imagens pré-existentes, mas organizadas de maneira coesa através da montagem de Duda Benevides. Já que parte considerável da carreira da atriz titular é destinada aos monólogos, o tom documental é monocórdico, com muitas similaridades com o estilo telejornalístico. Ainda assim, fascinante de ser visto!



Em razão de Clarice Niskier ter mantido colaborações duradouras com três diretores específicos, estes contribuem com depoimentos valiosos sobre ela, neste filme: um deles, o saudoso Domingos Oliveira [1936-2019] permitiu que ela brilhasse em filmes como "Amores" (1998) e "Feminices" (2004); o segundo, Eduardo Wotzik, relata as importantes transformações que ela opera no palco, transcendendo, no cotejo entre personagens e intérprete, as exigências dramatúrgicas, conforme ocorreu numa encenação em que ela vivificava cinco mulheres gregas diferentes; e o terceiro, Amir Haddad, é aquele que ela mais cita, enquanto mentor, ao que ele retribui com uma brilhante citação lorquiana, dizendo que Clarice Niskier "é a poesia que levanta do livro e se faz humana"... 



Julgando o filme por seus apanágios cinematográficos, anui-se que não estamos diante de um documentário original ou inventivo, ao contrário do que faz a atriz, pessoal e profissionalmente, em gravações de períodos distintos de sua vida e carreira. Ciente de que é algo um tanto narcísico "ser homenageada ainda em vida", ela permite-se compartilhar a sua inteligência e carisma e, dessa maneira, inspirar os espectadores a não apenas pesquisarem sobre os seus antológicos trabalhos, mas também em assumirem o compromisso de serem participativos quanto aos espetáculos teatrais. Numa bela declaração, quando compara o teatro às demais artes, Clarice Niskier diz que, no cinema ou na televisão, quando falta energia elétrica, a exibição é interrompida. No teatro, não, visto que ele é "a nossa própria energia pré-histórica". Em sua modéstia formal, o filme permite que a atriz se desnude, em mais de um sentido, inspirada por aquilo que ela leu e traduziu, cenicamente, a partir de "A Alma Imoral", do rabino gaúcho Nilton Bonder. Trata-se de uma celebração merecidíssima de seu talento, portanto! 



Wesley Pereira de Castro. 

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