domingo, 12 de junho de 2011

X-MEN: PRIMEIRA CLASSE ('X-Men: First Class') EUA, 2011. Diretor: Matthew Vaughn

Os filmes anteriores do diretor Matthew Vaughn chamaram a atenção do público hollywoodiano por causa de sua sagacidade no que tange ao uso da violência gratuita e de um tipo fantasioso de humor que muito se atrela às alegadas necessidades externas adolescentes. Como tal, é o sobejo destes dois elementos no filme em pauta que configura o seu maior problema, visto que há um descompasso premente entre o apelo dramático e sub-repticiamente político da primeira metade do filme e a empolgação aventuresca da segunda metade. Não obstante tal descompasso, “X-Men: Primeira Classe” não decepciona tanto quando comparado aos ótimos filmes que Bryan Singer realizou com base nos extraordinários personagens criados por Stan Lee.

Se, nos filmes anteriores, o foco do enredo era o auge da complexa oposição ideológica entre os mutantes Magneto e Professor Xavier, neste mais recente filme, a trama é focada nos primórdios do relacionamento entre os dois opositores, explicando como eles se conheceram e vieram a se tornar os ícones personalísticos das Histórias em Quadrinhos, hoje tão admirados por aqueles que lêem com precisão os subtextos políticos deste conflito entre humanos X mutantes anti-humanos X mutantes pró-humanos, que, como se sabe, mescla tanto os clamores reivindicativos dos movimentos identitários dos líderes negros norte-americanos quanto as indagações homossexuais. Nesse sentido, enquanto principal cena associada ao estilo vaughniano de dirigir, pode-se destacar o divertido momento em que os mutantes predominantemente adolescentes que o professor Xavier recruta são mostrados comemorando e comparando os seus poderes no que mais parece uma festa reservada no cômodo da CIA em que eles estavam confinados. Neste momento específico, aliás, Matthew Vaughn merece crédito positivo pela assunção dos valores fílmicos em que acredita, ainda que, nas demais oportunidades, esta assunção pareça concorrente à seriedade que o roteiro exige, em especial se comparado com os quase excelentes dois primeiros filmes anteriores.


Contando com uma seqüência inicial que acrescenta mais detalhes o impactante prólogo de “X-Men – O Filme” (2000, de Bryan Singer), em que as atrocidades dos campos de concentração nazistas contribuem para justificar o ódio que o judeu Eric Lehnsherr, o futuro Magneto, nutre pelos humanos preconceituosos, “X-Men: Primeira Classe” promete um cuidadoso registro das primeiras aparições públicas dos mutantes, registro este que se mantém valorativo no encontro xaroposo entre Charles Xavier, ainda criança, e aquela que se tornaria Mística anos depois. Infelizmente, porém, a má interpretação do pré-adolescente Bill Milner como o gritante Eric juvenil estraga uma seqüência importantíssima de manifestação odiosa, compensada pela firmeza interpretativa de Kevin Bacon, que está ótimo na pele do cruel Sebastian Shaw.

À medida que as tramas paralelas das sagas de Magneto e Professor Xavier são deslanchadas, a adoção de elementos do entrecho que fazem menção a eventos reais da Guerra Fria entre Estados Unidos da América e União Soviética, no início da década de 1960, dilui o impacto tramático, ao depositar sobressalente confiança no chamariz heróico dos agentes dos órgãos governamentais de defesa estadunidense, instaurando um triunfalismo nacionalista que se torna ainda mais incômodo (e quase contraditório) noutros momentos do filme, por mais competente que Rose Byrne esteja enquanto intérprete da destemida Moira MacTaggert.

O clímax belicoso que é pretendido na seqüência em que soldados soviéticos e norte-americanos disparam mísseis contra a ilha em que os mutantes lutavam entre si soa forçoso enquanto momento instaurador da divergência político-valorativa que marcará as trajetórias conflitantes de Professor Xavier e Magneto, no que tange à coexistência com os seres humanos normais, e, infelizmente, faz com que o filme decline seu interesse ideológico, subsumido a uma atualização oportunista do discurso intervencionista pró-capitalismo estatal. Mas, apesar de sua insistência, este mal discursivo ainda é menor do que a inteligência militante naturalmente associada à origem literária dos personagens.


No que tange à vivificação dos personagens, é lamentável que o costumeiramente ótimo James McAvoy ofereça uma configuração actancial tão pálida para o riquíssimo personagem que esteve sob sua responsabilidade, de maneira que o professor Xavier construído por ele não parece digno da majestade interpretativa adotada pelo calvo Patrick Stewart nos outros filmes da cinessérie. Michael Fassbender, por sua vez, está ótimo como o amargurado Eric Lehnsherr, dosando sua poliglotia minuciosa com sutis modificações expressivas que transmitem com esmero a complexidade dos sentimentos e formulações vingativas que explodem no interior de sua personalidade. Jennifer Lawrence e January Jones estão igualmente irrepreensíveis enquanto Raven e Emma Frost, personagens que se tornarão futuras aliadas do iracundo Magneto, e são bem coadjuvadas por Nicholas Hoult (Fera), Caleb Landry Jones (Banshee), Lucas Till (Havoc) e Zoë Kravitz (Angel). Mas uma menção adicional à participação de Edi Gathegi deve ser também destacada aqui, tamanha a relevância funcional do personagem Darwin, que, justamente por ser dotado da invejável capacidade de adaptar-se impressionantemente ao ambiente ao seu redor, calha de ser o primeiro mutante a ser morto no filme, reforçando com precisão os fundamentos separatistas de Magneto.


Enquanto filme arrasa-quarteirão, “X-Men: Primeira Classe” merece ser elogiado pela dosagem pretensamente equilibrada entre o despejo de efeitos visuais e cenas de ação (ambos extraordinariamente competentes e impressionantes) e arquétipos enredísticos que são fácil e propositalmente reinterpretados por minorias do público que se identificam com os anseios e tentativas de defesa que os personagens mutantes manifestam em relação às imposições normativas de uma classe social dominante. Por mais que o roteiro (escrito, entre outros, pelo próprio diretor, com base em argumento de Bryan Singer e Sheldon Turner) sabote involuntariamente algumas de suas próprias virtudes (vide o modo preguiçoso com que se preparam as revelações sobre a nova mutação que assolará o doutor Hank McCoy ou à descoberta de que Banshee pode utilizar seus gritos como um sonar improvisado) e que a direção de Matthew Vaughn, associada à trilha sonora incidentalmente ‘pop’ de Henry Jackman e à montagem bem-humorada de Eddie Hamilton e Lee Smith, dilua um tanto da circunspecção obrigatória ao contraste de práticas e ideais manifestos por Magneto e Professor X, este filme é ainda mui digno de ser recomendado a amantes austeros do Cinema, sem o perigo de que, ao elogiarem este filme, eles estejam compactuando com o decréscimo progressivo da originalidade nos entrechos aventurescos do cinema hollywoodiano contemporâneo. Afinal de contas, os personagens de Stan Lee são, por si só, muitíssimo interessantes e auto-suficientes em sua genialidade estrutural, conforme se pode perceber adicionalmente nas rápidas participações de Hugh Jackman e Rebecca Romijn-Stamos (respectivamente, Wolverine e Mística nos prévios exemplares da cinessérie), mui desvirtuada no primeiro caso, mas ricamente conduzida no segundo. Em síntese: o maior problema de “X-Men: Primeira Classe” é confundir-se involuntariamente com as interseções belicosas que abundam no enredo, mas, ao final, ele opta por um bem-fundamentado ponto de vista, deveras superior àquele aceito por Brett Ratner em “X-Men – O Confronto Final” (2006). E isto, com certeza, o redime enquanto produto cultural hodierno de massa!

Wesley Pereira de Castro.

2 comentários:

Jadson Teles disse...

e não vi o filme mas me espanto com a coisas que escreveu sobre ele, vou agorinha mesmo ver ele e com a certeza que vou odiar e nossa essa sua última frase....!

Jt

Pseudokane3 disse...

Odiar tu não odiarás não, meu bem!

E sim, eu sei, estou me cansando, acho!

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