quarta-feira, 22 de junho de 2011

MEIA-NOITE EM PARIS ('Midnight in Paris') EUA/Espanha, 2011. Direção: Woody Allen.

A prática da masturbação sempre foi um tema ou subtema muito comum e determinante nos roteiros de Woody Allen. Entendida em seu sentido físico mais lato (a manipulação genital com vistas à obtenção do orgasmo auto-estimulado), esta prática é ostensivamente associada a alguns desvantajosos efeitos colaterais [vide o hipotético genocídio de espermatozóides em “Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo, Mas Tinha Medo de Perguntar” (1973) ou a infertilidade genética em “Hannah e Suas Irmãs” (1986)] e a recorrentes manutenções salvaguardadoras do ego [vide “O Dorminhoco” (1973), “A Última Noite de Boris Grushenko” (1975) e “Dirigindo no Escuro” (2002) como exemplos imediatos de menção entusiasta aos benefícios de tal prática].

Nos filmes mais recentes do diretor, entretanto, a opção por situar as tramas românticas em cidades européias – e não mais em sua Nova York natal – implica não apenas em uma mudança geográfica, mas também numa ampliação do escopo enredístico do diretor no que tange à detecção afetiva de uma crise manifesta das ‘intelligentsias’ contemporâneas. E, nesse contexto desesperançoso, a masturbação é ampliada para um nível psicológico-cultural e convocada enquanto suporte sobrevivencial, ainda que não mais explicitamente citada, conforme calhava de acontecer nos filmes anteriores. É o que incide aqui, muito mais do que nos demais filmes allenianos europeus: no início de “Meia-Noite em Paris”, o diretor se dedica a uma exposição dos principais pontos turísticos da capital francesa com um rigor e acuidade que só encontra precedente imediato no seminal “Manhattan” (1979), o que já diz bastante sobre o que o mais recente filme representa em sua carreira, por mais morno que ele se demonstre na primeira metade de exibição.


Protagonizado por Owen Wilson (que está absolutamente surpreendente e crível enquanto alter-ego alleniano), “Meia-Noite em Paris” tem como mote inicial a análise da acusação de que nostalgia equivale à “negação de um presente doloroso”. Tal frase é proferida por um rival do protagonista, um pedante professor universitário com extravagâncias pseudo-intelectuais, que critica o escritor Gil Pender, em mais de uma oportunidade, por causa do saudosismo deste último em relação à década de 1920 parisiense, época em que viveu alguns de seus mais notórios ídolos literários. Após alguns repetidos desentendimentos com o professor (vivido com muito cinismo e proposital irritabilidade por Michael Sheen), Gil tem acesso a uma espécie de portal do tempo que lhe permite viajar para a época em que Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston), Gertrude Stein (Kathy Bates), Ernest Hemingway (Corey Stoll) e Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo) ainda eram vivos e caminhantes na famosa cidade-luz.

Em contato egrégio com estas personalidades, ele revê as impressões de satisfação que regiam sua vida até então, seja no que diz respeito às pretensões de feitura literária, seja no que diz respeito ao intento de levar a cabo o casamento com sua noiva Inez (Rachel McAdams), com quem parece ter divergências cada vez mais irreconciliáveis no plano da apreciação cultural. Quando se percebe, numa genial sacada de metalinguagem temporal, que seus ídolos também nutrem uma nostalgia por uma era anterior à que vivem (no caso, a ‘Belle Epoque’), a própria exacerbação elogiosa das glórias do passado em detrimento das irregularidades do presente é questionada, visto que o espiral de insatisfação é infinito, conforme se constata no magistral instante em que o pintor Edgar Degas (François Rostain) lamenta não estar vivendo durante a Renascença. E, com esse questionamento, Woody Allen demonstra mais uma vez o quanto é genial ao dividir as suas angústias mais pessoais com um público compreensivo e ansioso, que compartilha internamente os seus dilemas.


Reformulando: se, nos filmes anteriores, a masturbação, enxergada prioritariamente através do prisma sexual, era um conforto tênue para a inevitável discrepância entre a paixão carnal e a admissão da (in)compatibilidade ideológica com a pessoa por quem se nutre tal paixão, em “Meia-Noite em Paris” esta prática onanista dominante é compartilhada com o espectador através da identificação precisa de um pessimismo decorrente da exposição à decadência dos valores contemporâneos, que se torna ainda mais premente quando se presta atenção à maioria dos comentários da platéia de qualquer cinema em que o filme esteja sendo exibido. Perseguido por emanações reais dos personagens que interpretam os pais de Inez (Mimi Kennedy e Kurt Fuller), Woody Allen deposita neles alguns dos principais preconceitos depositados contra a sua obra mui singular e autoral, seja a repetição sarcástica do jargão “preço baixo, qualidade baixa”, dito pela mãe, seja a bazófia não-dialógica do pai quando se vê diante de um embate opinativo. Além disso, as cenas encantatórias em que Gil vai, aos poucos, já/ainda no presente, apaixonando-se pela vendedora de discos especializada em Cole Porter, conduzem-nos para um magnânimo desfecho romântico otimista, muitíssimo bem-vindo diante do clima inevitável de depressão contagiosa que a comparação entre o contexto fílmico e análise de sua realidade circunvizinha nos incute.


No plano técnico, este filme reitera os cacoetes de fidelidade que o diretor apregoou ao longo de suas dezenas de filmes: os característicos créditos brancos sobre fundo negro estão lá, a fotografia de Johanne Debas e Darius Khondji é discreta e refinada, os ângulos de câmera investem na prática certeira de, eventualmente, focalizar personagens que dialogam à distância (vide o momento em que Gil e sua noiva falam sobre Claude Monet ao fundo de uma paisagem natural que muito se parece com um de seus quadros) e o roteiro é repleto de piadas e apotegmas genais, como, por exemplo, aquele que é proferido pela ótima vivificação de Kathy Bates, que, por extensão, corresponde a uma lição de moral do próprio filme ao seu diretor: “a função do artista não é sucumbir ao desespero, mas criar um antídoto contra o vazio da existência”. E, por mais que o desfecho encantador deste filme possa ser criticado como utópico por alguns fãs mais rabugentos e/ou imediatistas do diretor, ele com certeza cumpre muitíssimo bem o apelo que esta definição intra-fílmica lhe imputa!

Wesley Pereira de Castro.

5 comentários:

Nick disse...

Nunca assisti "um Woody Allen". Parece que esse seria bom de ver. Seria?

Abraços.

Elaine Crespo disse...

Oi Wesley!
Vou assistir amanhã com Isa!

Ganhei um selo do Site Grandes Filmes!E como este teu blog vale um filme te indiquei e você já sabe que meu filme favorito é "E O Vento Levou"

Beijos e um lindo fim de semana!!

Elaine Crespo

Silvio Carreiro disse...

Já li uma declaração atribuida a ele de que a masturbação deve ser encarada só como uma oportunida de se fazer amor com a pessoa que vc mzais ama.Quanto aos filmes, depois de O dorminhoco não consegui ver mais nenhum.Ah, ta, vi e gostei o A cor púrpura.

Elaine Crespo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pseudokane3 disse...

Meu Deus, ainda existem pessoas que nunca viram um filme do Woody Allen?! É um crime, crime!

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