quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

BELFAST (2021, de Kenneth Branagh)


O fato de o roteiro ser baseado nas lembranças de infância do diretor justifica certa bidimensionalidade na encenação (os cenários são mostrados de maneira ostensivamente artificial, por exemplo), mas é justamente esse apelo nostálgico que torna chocante a frieza com que os eventos ocorrem no filme: ainda que, sim, haja alguma emoção e que os atores levem a sério as suas interpretações, não há factualidade em relação ao que acontece, de maneira que a montagem de Úna Ní Dhonghaíle revela-se bastante problemática. Apesar de haver a morte de um personagem simpático na trama e de o 'close-up' final de Judi Dench possuir algo de sensacionalista enquanto demarcação de uma despedida, as situações apresentadas nesse filme poderiam ocorrer em qualquer ordem: há uma rixa entre protestantes e católicos no início, mas isso é sub-explorado; há uma série de vinhetas protagonizadas pelo garotinho Buddy (Jude Hill), mas tudo parece sobremaneira circunstancial... 


Os pais de Buddy - interpretados por Caitríona Balfe e Jamie Dornan - são inexpressivos e, não obstante a pretensa relevância da cidade que empresta seu nome ao título do filme, pouco sabemos acerca da capital da Irlanda do Norte, com base no que é visto neste recorte mnemônico do ano de 1969. Os melhores momentos são aqueles em que Buddy e sua avó são flagrados assistindo a peças de teatro e filmes musicais, quando as cores quentes invadem o preto-e-branco da narrativa. E aquilo que o garoto testemunha nos faroestes antigos que vê na TV é reafirmado nos embates da realidade, sobretudo na seqüência em que a canção-tema do clássico "Matar ou Morrer" (1952, de Fred Zinnemann) serve para divulgar, em câmera lenta, uma determinada marca de sabão em pó: era para ser um clímax dramático, converteu-se em publicidade barata!


A trilha musical de Van Morrison ajuda a demarcar o tom nacionalista dos diálogos, o que é anunciado desde a abertura colorida, em que imagens contemporâneas de Belfast são exibidas enquanto ouvimos a canção "Down to Joy". Noutro bom momento - igualmente publicitário - do longa-metragem, o pai de Buddy canta "Everlasting Love" num baile, numa demonstração de efusividade que parece isolada do que ocorreu anteriormente. Ficam as frases de efeito do avô encarnado por Ciarán Hinds, num enredo que encena alguns aspectos interessantes de uma época política e religiosamente conturbada, mas que contenta-se com as aparências. Neste sentido, elogiar a bela fotografia de Haris Zambarloukos (colaborador habitual do cineasta) é quase um contrassenso: falta ao filme a essência afetiva prometida na divulgação de seu projeto pessoal!



Wesley Pereira de Castro. 

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