domingo, 12 de dezembro de 2021

Festival de Brasília 2021: DE ONDE VIEMOS, PARA ONDE VAMOS (2021, de Rochane Torres)



A organização deste documentário em capítulos foi uma opção muito hábil por parte da diretora, no sentido de que reproduz a lógica orgânica e amplamente compartilhada do modo como os povos originários do Brasil transmitem seus conhecimentos, subdividindo-os em aplicações específicas, mas mantendo-os integrados através de elementos gerais da Natureza. Neste caso, os ruídos onipresentes de aves psittaciformes conferem unidade à macro-narrativa, que condensa ambas as sentenças contidas no título: o grasnar ininterrupto de araras e periquitos é, portanto, um excelente recurso acessório de montagem!


Depois de um prólogo, no qual vemos um casal indígena divertir-se num parque de diversões - e eles regressarão no desfecho, sentados no sofá, comprovando que assistiram ao mesmo material audiovisual que nós -, inicia-se o primeiro dos cinco segmentos, "O Filme de Juanahú", no qual este personagem manuseia uma câmera de filmagem e ensina o que sabe a um conjunto de crianças, com quem discute os sonhos que deseja transformar em enredo. O olhar interessado dos garotos e a efusividade com que Juanahú explica o funcionamento do aparelho conquista de imediato a atenção do espectador, que é ainda mais agraciado no segundo segmento, "O Segredo dos Homens", sobre um ritual de amadurecimento masculino preservado pela tribo acompanhada pela diretora.


Optando pela edição alternada (um líder indígena comunica as dificuldades em manter as suas tradições culturais, enquanto vemos um grupo de rapazes erguer um mastro, para a concretização de uma das festas anunciadas), lidamos mutuamente com uma dupla realidade enfrentada pelo povo Iny, que vive na aldeia de Santa Isabel do Morro, em Tocantins: de um lado, a urgência na preservação dos costumes; do outro, as táticas cada vez mais severas de evangelização cristã, que proíbem as práticas ancestrais da tribo. Isso é ainda mais explorado no segmento "Macaco Preto", em que sabemos que a designação Karajá é problemática, pois associa estas pessoas a um grupo de primatas. Uma jovem (Narúbia Werreria) que teve acesso ao conhecimento branco ('tori') referenda a suma importância da autonomeação. Excelente e emocionada intervenção!



O quarto segmento, "O Espírito de Aruanã", é o mais disperso, quiçá pela necessidade de proteger as nuanças de uma das cerimônias mágicas daquela tribo. Segue-se o breve capítulo "Iny: Nós Mesmos", que acompanha um trajeto de barco, enquanto anoitece na floresta. A fotografia em preto-e-branco é esplêndida, realçando tanto a beleza natural do ambiente quanto a simpatia daqueles seres humanos fantásticos. Um filme repleto de homenagens, que faz jus ao que é anunciado enquanto pergunta e resposta, simultaneamente. Conforme reclama um cacique entrevistado, "esse tal de suicídio não existia em nossa cultura". Para que o ciclo da vida seja benfazejo, os dois verbos titulares precisam estar devidamente equiparados, tal qual acontece neste documentário! 



Wesley Pereira de Castro. 

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