sábado, 25 de dezembro de 2021

Netflix: A MÃO DE DEUS (2021, de Paolo Sorrentino)


À primeira vista, salta aos olhos as comparações com o estilo felliniano, afinal intencionais, conforme percebemos nas diversas emulações de filmes famosos do diretor ou na seqüência em que Marchino (Marlon Joubert), irmão do protagonista, resolve fazer um teste de elenco e é rejeitado por ter "um rosto demasiado convencional". Segue-se um momento idílico, em que Fabietto (Filippo Scotti) ouve a voz do cineasta selecionar as fotografias de diversas mulheres, a maioria delas opulenta, o que desperta a libido já iridescente do rapazola. Em meio a personagens mui pitorescos, identificamos o que parece ser a obsessão estilística de Paolo Sorrentino: demonstrar que a beleza é cercada de vazio!


Se, num primeiro momento, isso surge de maneira cômica (vários homens espremidos num dos lados de um barco, enquanto uma mulher toma banho de sol, completamente nua, no outro), logo intuímos a dimensão trágica do mesmo recurso, quando esta mesma mulher, Patrizia (Luisa Ranieri), fica à beira de um penhasco, como se quisesse saltar. Trata-se da esposa do tio de Fabietto, sua primeira musa, em quem ele pensará quando for desvirginado pela baronesa Focale (Betty Pedrazzi), numa bela cena, em que ela confessa que está cumprindo uma importante missão: "te ensinar a olhar para o futuro". Junto a um encontro com o realizador niilista Antonio Capuano (Ciro Capano) - que diz-lhe que "sem conflito, tudo é sexo, inútil" -, o intento é acertado: Fabietto consegue chorar e, após uma viagem para Roma, é redesenhado enquanto alter-ego do próprio Paolo Sorrentino, nesta terna evocação autobiográfica...


Muitíssimo bem-interpretado e repleto de seqüências que confirmam a equação imagética supracitada (alguém geralmente é destacado num espaço amplo e vão), este filme possui um ritmo mais lento que as demais obras do diretor: a jornada de descobertas e aceitação interior do protagonista - que precisa excluir o diminutivo de seu prenome para seguir em frente - é permeada por instantes antológicos e por recorrências burlescas, como a irmã que nunca sai do banheiro. A reconstituição do encontro inicial entre Patrizia e um monge infantil demonstra que o personagem principal foi sobremaneira exitoso em seu anseio de devolver alguma fantasia à sua vida. Reencenar a perda dos pais (magistralmente encarnados por Toni Servillo e Teresa Saponangelo) demonstra o quão merecedor de encômios é este cineasta, dotado de idiossincrasias plenamente reconhecíveis! 



Wesley Pereira de Castro. 

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