terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Mostra Tiradentes 2022: ÍMÃ DE GELADEIRA (2022, de Carolen Meneses & Sidjonathas Araújo)


Se, em termos históricos, o cinema sergipano é lembrado sobretudo pela sua fase superoitista com forte acento documental, as produções contemporâneas surpreendem pelo modo como alinhavam subversões dos gêneros tradicionais e discursos ostensivamente políticos. Este curta-metragem, por exemplo, impressiona pela precisão de seus efeitos visuais (a cargo do versátil artista itabaianense Marlon Delano) e pelo modo como o contexto social é respeitado em sua duração e substrato comunicativo: o rádio a pilha é quase onipresente, em razão de a sinopse preconizar quedas constantes de energia elétrica. Na programação das estações ouvidas pelos personagens, notícias sobre o desaparecimento de pessoas, assassinatos de rapazes negros e a voz potente da 'rapper' Anne Carol e sua canção "Epidérmica", executada novamente nos créditos finais. Cada detalhe é repleto de sentido: os diretores foram percucientes em suas opções fotográficas e na caprichada direção de arte. 


Dentre os aspectos mais elogiáveis deste filme, destaca-se a presença de Severo D'Acelino, importantíssima entidade actancial do Estado, que traz muitas referências antropológicas consigo, no pouco tempo em que aparece: a sua máscara facial 'high tech' e o modo como interage com o pequeno (e eloqüente) Joaquim Gael, na oficina que serve de cenário, diz muito sobre as intenções militantes do curta-metragem, que não são exclusivas aos elementos chocantes da trama. Amalgamando situações que já puderam ser verificadas em filmes de John Carpenter e Jordan Peele, para ficar em exemplos imediatos, o roteiro funciona tanto em sua denúncia antirracista quanto em sua coerência genérica: a cena em que o costureiro Gigante (Ícaro Olavo) arruma os alimentos antes de inseri-los na geladeira é prenhe de tensão!


Entretanto, alguns problemas também são verificados, quiçá relacionados à ainda incipiente produção cinematográfica com envergadura ficcional em Sergipe: apesar de belíssima e expressiva, Margot Oliveira exagera na solenidade com que executa os seus movimentos cênicos. A interação afetiva com seu parceiro é muito boa, bem como os instantes em que ela executa o labor de costureira, mas os diálogos parecem desengonçados, o que fica ainda mais evidente na seqüência em que ela dirige-se à oficina, para escolher um eletrodoméstico usado (numa conjuntura dramatúrgica pouco verossímil, em comparação com o restante da obra). Mas é um defeito que não macula a efetividade da produção: em termos técnicos, o filme é muito bem produzido; no que tange à sua mensagem, que chegue à maior quantidade de espectadores!



Wesley Pereira de Castro. 

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