quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Mostra Tiradentes 2022: A COLÔNIA (2021, de Mozart Freire & Virgínia Pinho)


 Apesar do título sintético e da campanha publicitária que aparece no início (sobre os estatutos de reclusão num leprosário, em meados do século XX), este filme evita a estrutura documental predominante, em que a abordagem do assunto é didaticamente centralizada: quem não pesquisou sobre a sinopse e a conjuntura de formação do bairro Antônio Justa, na cidade cearense de Maracanaú, talvez não compreenda adequadamente o que unifica os três personagens reais acompanhados ao longo da projeção. A assistente social Jaqueline de Aquino Silva é quem faz a intermediação discursiva, visto que ela mantém um projeto de valorização do bem-estar dos pacientes ainda internados. Alguns deles são entrevistados e compartilham pungentes declarações de vida, como o idoso que canta um repente sobre as condições do divórcio de sua mãe... 


A despeito destes liames denuncistas, a coesão entre os demais personagens e situações é tênue: percebemos que a especulação imobiliária surge como tema central, mas o enfoque é assimétrico, em razão de uma amostragem pouco enfática do cotidiano dos protagonistas. A jovem Rayane, por exemplo, está em busca de uma casa para alugar e chama a atenção por sua simpatia, mas não contribui muito para o que é deslindado no roteiro; o entregador de água mineral Francisco Lucas, por sua vez, possui relevância na exposição de seus dilemas enquanto pai solteiro, mas comporta-se de maneira inespontânea diante das câmeras. As seqüências em que ele conversa com um 'rapper' branco soam bastante sintomáticas neste sentido, não obstante a trilha musical ser interessante - destaque para a canção "Pensam que Eu Não Sei", de Payaço Abu.


Quando os três personagens encontram-se numa mesa de bar e, ao final participam de uma cerimônia de aniversário da Colônia, o filme revela com mais clareza as suas intenções, reverberando a militância abnegada de Jaqueline quanto à ressignificação histórica daquele ambiente, como ela própria faz questão de declarar. Os instantes de diversão de Francisco Lucas e seu filho no parque aquático são contundentes na imputação dos caracteres globalizantes comuns aos espaços nordestinos contemporâneos, mas essa questão foi explorada de maneira insuficiente pelos diretores. Seja como for, eles incitam-nos a querer saber mais sobre o que é narrado. Isso, enquanto reação documental (por mais ficcionalizado que o filme demonstre ser, em vários momentos), é uma ótima conseqüência! 



Wesley Pereira de Castro. 

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