sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Mostra Tiradentes 2022: MAPUTO NAKUZANDZA (2021, de Ariadine Zampaulo)


Numa observação imediata, este filme parece uma versão moçambicana do clássico brasileiro "Se Segura, Malandro!" (1977, de Hugo Carvana), visto que ambas as produções são constituídas por esquetes urbanos alinhavados por uma onipresente locução radiofônica. As intenções da diretora são distintas: o filme possui um viés acentuadamente dramático, não obstante a profusão de momentos cômicos. Logo no começo, uma situação tão banal quanto revoltante: um grupo de jovens masculinos encontra uma garota desmaiada num carro, provavelmente após ter sido estuprada. Ao invés de ajudarem-na, eles decidem responsabilizá-la pelo que aconteceu: "se saiu com uma roupa curta dessas, quem mandou estar sozinha?". Tratar-se-á de uma abordagem política do cotidiano, portanto. 


A montagem do filme obedece à progressão cronológica de um único dia, e acompanhamos um grupo de personagens aleatórios (uma noiva que desiste do casamento no dia da cerimônia, um rapaz que deambula pela praia, as pessoas que amontoam-se diante de uma mesquita, uma mulher enciumada que reclama das escapadas sexuais de seu marido), enquanto as locutoras da estação de rádio titular recitam poemas e executam canções. No momento mais poético, o bailarino Domingos Bié (já falecido, conforme verificamos nos créditos finais) dança ao som de alguns versos do escritor Ungulani Ba Ka Khosa, que exalta a necessidade da resistência africana: "estes homens da cor de cabrito esfolado que hoje aplaudis entrarão nas vossas aldeias com o barulho das suas armas e o chicote do comprimento da jibóia". A mensagem é fortíssima!


Nem todas as seqüências são tão expressivas, entretanto: algumas são meramente casuais, porém dotadas de inequívoca beleza, como naqueles instantes em que uma moça arruma-se diante do espelho, no cair da noite, complementando o ciclo de eventos que possivelmente desembocará - por causa do machismo dominante na sociedade - nos dizeres preconceituosos que ouvimos dos transeuntes ébrios no início do filme. Enquanto consolo, algo que ressoa poderosamente na transmissão: "através da Arte, podemos identificar o diagnóstico para as doenças da alma". Procede, muito obrigado pela rememoração!



Wesley Pereira de Castro. 
 

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