Alguns filmes oferecem desafios praticamente insolúveis
para a crítica: além (ou aquém) de seus defeitos, configurações elementares de
sua estruturação enquanto artefato cinematográfico
são convocadas, dificultando ainda mais uma análise que não pode ser balizada pela
apreciação qualitativa imediata. Apesar de conter a palavra “filme” em seu
subtítulo, esta adaptação parcamente fílmica de uma peça cômica teatral de
sucesso apóia-se quase unicamente no histrionismo de Paulo Gustavo, merecedor
de demorados elogios por conta de sua divertidíssima personificação de uma mãe
obsessivo-compulsiva que, conforme percebemos no ótimo excerto humorístico-documental
que é exibido antes dos créditos finais, é inspirado em sua própria genitora.
Antes
de apressarmo-nos em pronunciar que este filme é ruim, torna-se muito mais delicado e emergencial identificar o que
há nele que corresponde ao filme que ele insiste em se autocategorizar: as
péssimas e insistentes tomadas paisagístico-urbanas da cidade de Niterói na
transição entre uma e outra seqüência, os ‘flashbacks’ forçados que se
instauram na narrativa e as composições personalísticas coadunadas ao que de
mais preconceituoso poderia ser realizado em matéria de estereotipização saltam
aos olhos como principais indícios negativos da validade perniciosa desta
comédia de costumes enquanto obra cinematográfica.
Alicerçada num vasto cabedal de ofensas, que vai desde
chistes envolvendo a obesidade e a afetação homossexual dos filhos da
protagonista até a infâmia de sua empregada doméstica arrogante (Samantha
Schmütz), passando pelas acusações de que suas vizinhas seriam maconheiras ou
macumbeiras, a composição verborrágica da protagonista Hermínia é exitosa na conquista
do riso quase somático do espectador, dado que é inevitável não identificar o excesso
de zelo da personagem com características maternas largamente reconhecíveis em qualquer
mãe que conheçamos.
Em meio à velocidade impressionante dos pronunciamentos
sarcásticos da personagem principal (maravilhosamente vivificada por Paulo
Gustavo, é mister admitir), algumas aberturas melodramáticas são tão
previsíveis quanto inesperadas, sendo do primeiro tipo a redenção filial em
relação aos excessos cuidadosos da mãe vigilante e do segundo a menção ao
sobrinho da protagonista, morto num acidente automobilístico causado por ingestão
de bebidas alcoólicas.
Ou seja, malgrado ser publicitariamente distinguido como
uma comédia rápida, o moralismo familiar preventivo do enredo é assumido e
defendido com fulgor. No plano fílmico, nem sempre funciona, mas isso não
incomodaria tanto se assumíssemos esta obra como um mero catecismo de hipocrisia
comportamental... Pena que “Minha Mãe é uma Peça – O Filme” insista em parecer filme, retroalimentando uma deletéria
intenção do projeto geral da Globo Filmes em inverter a sagacidade constante
das pornochanchadas setentistas e substituir a lubricidade das mesmas por um
conjunto anódino e antitético de lições desgastadas de moral, emolduradas num
formato apressado de conjunção de anedotas mnemônicas que assemelha-se bastante
ao que é exibido em programas de televisão...
Musicado com certa funcionalidade por Plínio Profeta,
fotografado de forma canhestra por Nonato Estrela e montado desengonçadamente
por Marcelo Moraes, “Minha Mãe é uma Peça – O Filme” centra a maior parte de
seus esforços composicionais na desenvoltura do elenco que, se é bem-sucedida
na já mencionada personificação do excelente Paulo Gustavo, chafurda nas
horrendas atuações de Mariana Xavier e Rodrigo Pandolfo como os filhos de
Hermínia, na desenxabida participação de Herson Capri como o seu ex-marido, na
inespontânea colaboração de Suely Franco como a sua tia Zélia e nas
inconvenientes aparições de Ingrid Guimarães como a madrasta Soraia, desprovida
de interesse desde que entra em cena e nos permite entrever que ela se converterá
em uma facínora marital.
As inserções de contrapontos dramáticos através de Alexandra
Richter, que interpreta Iesa, a irmã mais nova de Hermínia, são interessantes,
seja quando ambas disputam um móvel deixado como herança para a protagonista
após a morte da mãe seja quando elas discutem até que ponto as suas atitudes particulares
são passíveis de se tornar modelos comportamentais negativos para os
respectivos filhos, já que elas duas são, ao mesmo tempo, fumantes e condenadoras
do fumo alheio. No teatro, talvez estas menções actanciais tenha sido mais bem desenvolvidas,
visto que, neste arremedo de filme, elas são lancinadas pelo sobejo de cortes numa
edição desprovida de justificativa estética...
Em mais de um aspecto, este filme clama por uma
apreciação difamatória, sendo nojoso tanto na construção de alguns dos
personagens insuportáveis que circundam a protagonista quanto em sua formulaica
implantação da fama midiática como objetivo involuntário de vida a ser
perseguido por Hermínia, que se torna apresentadora de ‘talk-show’ depois que
seu emocionado depoimento numa pesquisa espontânea de rua faz com que a
audiência de uma emissora ficcional de TV alavanque subitamente.
Não obstante
ser bem-intencionado em sua homenagem ao carinho maternal – mesmo quando exponenciado
às raias da perseguição – o roteiro escrito por Paulo Gustavo, Rafael Dragaud e
Fil Braz coaduna-se ao que de mais execrável é vendido pelo conglomerado
vertical relacionado à Rede Globo de Televisão, aqui em parceria com o canal
fechado Telecine. Por mais acidentalmente engraçado que o filme seja e por mais
enganoso que ele se demonstre enquanto obtedor da comunicação pretendida com um
público-alvo bastante extenso (quantitativamente falando), “Minha Mãe é uma Peça
– O Filme” vincula-se ao que de menos nacionalizante é posto em prática no
cinema brasileiro contemporâneo.
Por isso, independentemente de o filme ser bom
ou ruim (ainda que ele tenda largamente para a segunda opção), ele é péssimo
enquanto projeto de cinema, vergonhoso enquanto produto audiovisual nacional e tartufo
enquanto tentativa de reeducação parental. Um filme a ser temido – e, por
dedução política, enfrentado – mas não
evitado!
Wesley
Pereira de Castro.