Caso não se tenha conseguido captar o significado da primeira parte do título deste filme - já que ele não é pronunciado explicitamente -, a canção homônima "O Rancho da Goiabada" atravessa toda a obra, seja através de intertítulos com trechos da letra, seja no reaproveitamento dos acordes na ótima trilha musical de José Calixto. E não é por acaso que esta composição de João Bosco e Aldir Blanc foi escolhida como ponto de partida, pois, além de continuar bastante atual, ela tem muito a ver com os depoimentos advindos dos trabalhadores que interagem com o protagonista Alex (interpretado por Alex Rocha): "os bóias-frias, quando tomam umas biritas/ Espantando a tristeza/ Sonham com bife a cavalo/ Batata-frita e sobremesa"...
Se, por um lado, é ótima a opção pelo dispositivo relacionado à participação do ator, que, ao imiscuir-se entre os trabalhadores, recolhe valiosas estórias de vida, por outro, as frases de efeito utilizadas por este personagem resvalam numa concepção meramente substitutiva da luta de classes. Vide os instantes em que Alex pergunta ao funcionário de um restaurante se, "caso ele lavasse os pratos com zelo, poderia atingir a sua posição"; quando ele cogita ganhar na loteria e reclama que "o cara, quando é pobre e enrica, nem pode se mostrar"; ou nas várias situações em que ele incita queixumes, em diálogos fortuitos, que soam como reiterações inativas da frustração dos desfavorecidos. A cena em que ele é mostrado fumando à luz de velas, visto que a energia elétrica de sua residência fôra interrompida por falta de pagamento, é também um desses casos.
Num instante esplêndido, Alex oferta aos passageiros de um trem DVDs de filmes brasileiros que "não estão disponíveis na Netflix nem são exibidos na Globo", mas a pujança protestante desta seqüência é prejudicada por um aspecto sustentacular: infelizmente, o DVD é uma mídia em avançado processo de obsolescência - programada pelo Capitalismo -, de modo que, mesmo que algum dos passageiros tivesse dinheiro para comprar e/ou se interessasse por algum daqueles filmes, talvez não tivesse onde reproduzir o disco adquirido. É o que pode ter ocorrido à moça que compra "Morte e Vida Severina" (1977, de Zelito Viana), cujas imagens aparecem em momentos-chave do filme, tanto quanto acontece em relação ao devastador "Aopção, ou As Rosas da Estrada" (1981, de Ozualdo Candeias).
A montagem de abertura, que apresenta uma publicidade televisiva sobre as vantagens da utilização do álcool enquanto combustível automobilístico é excelente, pois demarca uma das várias rimas laborais do roteiro, conforme imediatamente comentado por Alex: "sabem quantos pés de cana é preciso cortar para gerar um pouco de pinga?". Ninguém responde, mas vê-se na prática a rudeza daquele trabalho, e as condições (melhoradas, mas ainda sobremaneira dificultosas) de sua execução. Enquanto conversa com um dos interlocutores, já embriagado, Alex é praticamente desvendado enquanto ator, já que sua mão não é tão calejada quanto a dos companheiros dietéticos de labuta. Alegando possuir "cara de pobre", ele dispara benfazejas reflexões sobre a campanha presidencial de 2018, em cujas primícias o filme foi rodado. Imerso no personagem, Alex comenta: "é muito difícil cortar e cana e pensar em política". Na derradeira cena, pós-créditos finais, um transeunte segurando um panfleto do Partidos dos Trabalhadores (PT) demonstra que, sim, é difícil, mas também deveras necessário. A sua fala serve como testemunho de legitimidade quanto ao que ocorre neste filme. "Fácil, fácil não é a vida", de fato!
Wesley Pereira de Castro.