sábado, 31 de outubro de 2020

A ESTAÇÃO DE TREM (2000, de Sergei Loznitsa)


 

Para quem já testemunhara a crueza estilística deste diretor no longa-metragem ficcional de estréia "Minha Felicidade" (2010) ou no ótimo episódio que se destaca em "As Pontes de Sarajevo" (2014), regressar às suas raízes documentais é uma tarefa imperativa. O modo como ele capta a beleza dos pequenos instantes nos intervalos das rotinas atribuladas de trabalho faz com que redimensionemos o flagrante pessimismo de suas obras mais recentes. Porém, as chagas desoladoras do cotidiano sempre estiveram lá!




Conferir "A Estação de Trem" após ter dormido mal é uma tarefa inglória porém sintomática: os vinte e quatro minutos de duração parecem durar bem mais. E o sono que induz não é letárgico, mas denuncista, fatalista. Uma tentação perigosa em relação a um descanso interditado: o sono surge como epítome da exaustão, nas esperas imensas em não-lugares de encontro, como alguns catalogam sociologicamente o cenário explicitado desde o título.




No curta-metragem, fotografado e montado como uma versão ‘flou’ de alguma produção do Chris Marker [1921-2012], vemos várias pessoas dormindo enquanto esperam os seus respectivos trens. Camponeses, em sua maioria. Trabalhadores. Malfadados herdeiros da dissolução trágica da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Não obstante ter nascido na Bielo-Rússia, foi na Ucrânia que o diretor se estabeleceu. No filme, é toda uma nação que dorme, provisoriamente inativa, após a dilaceração de jornadas sucessivas de labuta, enquanto aguarda o veículo que os conduzirá a outro lugar, outro momento histórico. Insetos zuem, enquanto as locomotivas não aproximam-se. A imobilidade acabará nalgum momento? O despertar individual corresponde a um levante nacional? Quem sabe algumas respostas sejam encontradas nos curtas-metragens posteriores do diretor…



Wesley Pereira de Castro. 

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