sábado, 17 de outubro de 2020

* Mostra SP 2020: MAMÃE, MAMÃE, MAMÃE (2020, de Sol Berruezo Pichon-Riviére)


     Nos créditos finais, aparece a dedicatória "para minhas irmãs". É óbvio que a diretora e roteirista estreante serviu-se de experiências familiares para construir esta graciosa trama de amadurecimento feminino, que é quase um conto de fadas às avessas. A despeito dos múltiplos flertes com um universo 'pop' que reitera um machismo estrutural que converte meninas em mães e donas de casa precoces, as personagens deste filme beneficiam-se de uma cumplicidade espontânea também difundida como apanágio feminino... 


    O ponto de partida é trágico, mas, exceto por um pretenso clímax no desfecho, a intenção da diretora é devolver um pouco de edulcoração a um ambiente continuamente ameaçado pela rapacidade dos homens. Um pedaço de bolo de aniversário é consumido por formigas, ao ser abandonado no chão. No filme, os homens são ausentes ou indicativos de periculosidade. Por mais inocentes que pareçam enquanto instalam uma proteção de piscina: o olhar seduzido de um deles - muito bonito, por sinal - em direção a uma moçoila dançante de 15 anos não surge como alento romântico. É o prognóstico de mais um abuso em potencial... 


    Não sabemos quem são os pais daquelas meninas e uma delas, proveniente do Paraguai, instaura o temor, ao falar sobre o rapto de uma coleguinha de escola, perpetrado pelo motorista de um ônibus escolar. Quando menstrua pela primeira vez, a protagonista Cleo (magnificamente interpretada pela jovem Agustina Milstein) pensa que está grávida. Numa brincadeira com a prima, elas ensaiam o primeiro beijo usando tomates. O amadurecimento é inevitável, enquanto sua mãe permanente distante, atravessada pela dor insuportável da perda da filha. O título do filme reproduz um chamamento renitente, dentre os vários que Cleo executa, a fim de retirar sua mãe do confinamento lamentoso, e reverter a sua própria orfandade induzida. O luto é sentido de diferentes maneiras por diferentes pessoas, entretanto. 


Bastante curto - pouco mais de uma hora de duração - este longa-metragem possui um ritmo absolutamente fluido e torna-nos cúmplices das brincadeiras daquelas garotinhas, ainda que muitas delas sejam pouco recomendáveis, como responder ao questionário de uma revista sobre como portar-se quando um namorado prefere o jogo de futebol à sua companhia ou cantarolar versos nada infantis que afirmam que é necessário aprender a "suportar o marido", ao invés de amá-lo (ou, mais ainda: ser amada). Uma das garotinhas brinca com uma coelha, não por acaso, um símbolo de fertilidade, que tem vários filhotinhos, prontamente novamente pela mais nova das garotinhas. Todos os elementos deste filme são cuidadosamente escolhidos, a fim de reiterar a aventura bela e dolorida que é ser mulher. E não apenas ser: também tornar-se!



Wesley Pereira de Castro. 

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