sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Festival Varilux 2021: UM CONTO DE AMOR E DESEJO (2021, de Leyla Bouzid)


Na seqüência de abertura, a diretora faz jus ao título de seu filme e apresenta-nos ao protagonista Ahmed (Sami Outalbali) durante o banho: a câmera focaliza suas costas contraídas, enquanto ele se enxuga, a fim de metaforizar a tensão erótica com que ele se deparará dali por diante. Ao invés de converter-se em mero objeto de nossos intentos onanistas, esse personagem assumirá a função de condutor tramático: logo sabemos que é seu primeiro dia de aula na Universidade Sorbonne, onde ele matricula-se numa turma de Literatura. Entretanto, ele não está preparado para o jorro de sensualidade contido nas poesias árabes da Idade Média, tematizadas numa disciplina exordial. Premido entre o machismo da juventude parisiense e as tradições familiares que, em sua interpretação estouvada, relegam as mulheres a posições subservientes, Ahmed não saberá como lidar com a espontaneidade comportamental de sua colega tunisiana Farah (Zbeida Belhajamor), por quem se apaixona... 


Apesar de esta trama de amadurecimento emocional parecer corriqueira, a diretora revela-se arrojada ao preferir abordar as crises morais do personagem masculino, de modo que a perspectiva adotada é o desconforto de Ahmed diante da naturalidade sexual de suas amigas: passa a agir de maneira controladora até mesmo em relação à sua irmã, cujo namoro é motivo de fofocas entre os seus companheiros de trabalho, que pretendem perder a virgindade num prostíbulo holandês. Não obstante a origem argelina, Ahmed não fala árabe, não conhece os locais onde seus pais foram criados e não segue à risca os preceitos da religião muçulmana. E, quando masturba-se, constata que está obcecado por Farah!


Numa montagem que insiste em valorizar a beleza física do personagem, há uma fusão imagética entre o momento em que Ahmed insere a mão entre suas pernas e o mergulho simbólico no livro que ele lê. A professora mais popular da faculdade não titubeia ao associar o material de ensino à lubricidade, o que desconcerta cada vez o protagonista, que pensa em largar os estudos. "Se tu desistires, concederás muita satisfação às pessoas que torcem por seu fracasso", diz a professora. Ahmed reflete consigo mesmo acerca dos múltiplos vícios de sua criação: considera o pai inativo, já que este não conseguiu emprego na França depois que fugiu da Argélia, perseguido por suas atividades como jornalista; e não consegue justificar para seus amigos o porquê de ter escolhido o curso de Letras. Confuso, indeciso, mas em constante excitação egoísta, Ahmed é intimado a aprender - para além das paredes da Universidade. A tarefa requerida para a auto-aprovação é um beijo em público, seguido da aguardada penetração sexual (que, obviamente, é privada). A vida é também poesia, conforme regozija-se a diretora, neste filme um tanto ingênuo, mas prenhe de um vigor minimamente contestatório. O orgasmo é algo tão cultural quanto político! 


Wesley Pereira de Castro. 

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