Numa interpretação mui delicada - possível graças ao ótimo entrosamento entre ator e diretor, decorrente de um longa-metragem anterior, "Sócrates" (2018) - Christian Malheiros faz com que direcionemos os mais diferentes sentimentos ao seu personagem Mateus: convertido, desde a sua primeira aparição, numa espécie de herói, pelo modo terno como trata as pessoas e por causa de sua inteligência, ele passa a ser gradualmente seduzido pelo poder a que tem acesso, como assistente do hediondo Luca (Rodrigo Santoro). Torna-se cada vez mais violento e moralmente corrompido, sem que assim se perceba, já que o enredo demonstra que ele apenas obedece a uma lógica hierárquica similar a qualquer outra organização contemporânea: ter privilégios implica em imputar sofrimento a outrem, mesmo que involuntariamente. O Capitalismo a tudo assimila, inclusive à benevolência!
A tensão estabelecida entre Mateus e seus companheiros de cárcere é redimensionada: de conselheiro atuante, ele transforma-se num vigilante impiedoso, assemelhando-se cada vez mais ao antagonista patronal que ocupa a função paterna até então ausente em sua vida (exceto em seu desejo de ter quatro filhos). Confirmando o que fôra previsto pelo afrontoso Isaque (Lucas Oranmian), Mateus torna-se diretamente envolvido na agressão sofrida pela mãe do tímido Ezequiel (Vítor Julian). O ambiente e os personagens são mostrados cada vez mais sujos, e o desfecho é assaz pessimista, estabelecendo como um ciclo perenemente renovado aquilo que é orgulhosamente comentado por Luca: "essa cidade só está de pé por causa do que nós fazemos". Infelizmente, procede. Como podemos agir de maneira diferente, a fim de que não recaiamos no tormento consciencioso secundarizado pelo protagonista, cada vez mais hábil em seu enriquecimento material? Eis a pergunta que valoriza ainda mais o filme...
Wesley Pereira de Castro.
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