O ditado popular “de boas intenções, o inferno está cheio” é um tanto extremado em sua generalização condenatória, mas não deixa de possuir razão no que tange à defesa de uma comunhão elementar entre boas ações e intenções positiva e comunalmente valorizadas. O filme ora analisado coaduna-se muito bem ao sentido pretendido por este ditado popular, visto que, por mais graciosa e urgente que seja a sua mensagem final, não se pode esquecer que o libelo ecológico do enredo fora motivado pela mera necessidade de conquistar a atenção de “uma garota do ensino médio”.
Se, por um lado, torcemos para que o jovem Ted consiga provar aos seus convivas que sempre há tempo para beijar sua cobiçada Audrey, por outro, o delírio onírico em que ele antecipa o instante em que presenteia sua amada com uma aguardada trúfula demonstra a sua divergência basilar de interesses, no sentido de ele age com esnobismo e joga fora o recipiente de bebida láctea que estava a ingerir de forma absolutamente nociva ao meio ambiente. Se, no desfecho, ele consegue convencer toda a população da cidade a plantar uma semente de trúfula num local-chave e cantar e dançar ao som de uma canção cujo refrão é oportunamente “vai crescer”, ao partirmos do pressuposto analítico explicitado, este refrão pode referir-se tanto à arvore propriamente dita quanto à ereção do rapaz, estando ambos os crescimentos ecologicamente interligados, porém moralmente desconectados.
Talvez uma comparação com o filme anterior do diretor [“Meu Malvado Favorito” (2010, co-dirigido por Pierre Coffin), ainda não visto] facilitasse a compreensão dos atributos estético-discursivos do roteiro, inclusive no que diz respeito à análise das motivações contrastantes acima descritas. Por si só, “O Lórax: Em Busca da Trúfula Perdida” é um filme lancinado pelos conflitos de interesses caros à era contemporânea, de maneira que a opção por apresentar o personagem-título através de uma rememoração narrativa foi muito bem-vinda, pois assume a conotação moralizante do filme.
Nesse sentido, a transformação do personagem Umavezildo em narrador torna a reinvindicação ecológica geral muito mais sincera do que se fosse conduzida apenas pelo afobado Ted, cuja sujeição ao uso exacerbado de gírias (pelo menos na versão dublada) deixa entrever sua baixa propensão à reflexão ativista.
Desenhado com base no ator Danny DeVito, o Lórax é um personagem simpaticíssimo, que conquista o espectador desde o prólogo, com sua entonação rimada e com a delimitação sincera de que fala “em nome das árvores”. Os personagens baseados em Zac Efron (Ted), Taylor Swift (Audrey), Betty White (Vovó Norma) e Rob Riggle (Sr. O’Hare), por sua vez, escancaram o desperdício compositivo dos referidos atores, sendo mais aberrantes os dois últimos casos, estereotipados ao extremo em suas características aventureiras e histrionismos vilanescos, respectivamente. A adoção contumaz do recurso à violência (autoprovocada ou não) enquanto chamariz humorístico, principalmente por parte dos ursinhos viciados em ‘marshmallow’, é outro aspecto negativo do filme, bem como a recorrência de peixes canoros que parecem plágios descarados dos protagonistas animados de uma franquia recente sobre esquilos roqueiros. Mas nada que o encanto do aforismo central do livro original no qual o filme foi baseado não tente reaver (e transferir para o espectador) a responsabilidade afetiva: “a menos que alguém como tu te importes de montão/ Nada vai melhorar, não vai não!”.
Pesando-se todos os prós e contras do filme, os primeiros levam vantagem sobre os segundos, sendo o mesmo tão saliente em suas proposições ambientalmente intervencionistas – ao menos em comparação com filmes congêneres – que se faz mister ignorar o sobejo de maniqueísmo no roteiro escrito por Ken Daurio e Cinco Paul, que começa desengonçadamente interessante mas logo se deixa prejudicar pela curta duração do filme (apenas 86 minutos) e pela acumulação clicherosa de clímaxes, como, por exemplo, a desnecessária e inconvincente visita do senhor O’Hare à casa de Ted e toda a perseguição que antecede o aguardado plantio da semente da derradeira trúfula do mundo. Uma explicação mais detalhada da distopia arquitetada pelo afamado O’Hare talvez tornasse o filme mais digno e convincente em sua conformação ecológica permeada por relações econômicas, mas isso talvez distanciasse o filme de seu alegado público-alvo infantil, o que sintetiza o maior problema desta produção cinematográfica como um todo: a atroz subsunção dos pilares enredísticos aos ditames comerciais, o que trai veementemente as crenças que o maltratado Lórax tenta transmitir aos seus interlocutores. É um filme vencido de antemão, portanto!
Wesley Pereira de Castro.
segunda-feira, 23 de abril de 2012
O LÓRAX: EM BUSCA DA TRÚFULA PERDIDA (‘Dr. Seuss’ The Lorax’) EUA, 2012. Direção: Chris Renaud & Kyle Balda.
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