terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Festival de Brasília 2021: ABDZÉ WEDE'Õ - VÍRUS NÃO TEM CURA? (2021, de Divino Tserewahú/Xavante)


O primeiro aspecto que salta aos olhos neste documentário é o tom aparente de contradição em seus discursos: alguns líderes indígenas comentam que a COVID-19 é uma doença criada pelos homens brancos e que, portanto, não atingirá as aldeias de povos originários do Brasil. Um desses líderes veste uma camiseta com publicidade cristã. Mais à frente, manchetes de jornal invadem a tela, anunciando que a mortalidade entre os índios xavantes, por causa da pandemia, foi superior em mais de 160% aos demais segmentos da população brasileira. Fica evidente que a contradição foi implantada pelo processo colonizatório, do mesmo modo em que, numa filmagem antiga, um narrador comenta que os contatos iniciais entre homens brancos e os xavantes foram pacíficos, sendo que os primeiros carregam enormes facões, enquanto pretendido símbolo de boas vindas. É preciso repetir o que acontece a partir daí? 


Ao invés de realizar um documentário linear sobre o morticínio de seus parentes, o cineasta xavante Divino Tserewahú acrescenta múltiplos aspectos autoafirmativos em seu relato: fala sobre a importância dos rituais tradicionais de sua tribo (mostrados em imponentes 'plongées'); agradece ao cineasta Vincent Carelli pelos cursos ministrados no programa Vídeo nas Aldeias; comenta sobre os perigos contaminadores da imposição de costumes brancos (a obrigação das vestimentas, por exemplo); e surpreende ao ressignificar a tese de que, para os indígenas, quando eles são fotografados ou filmados, parte de sua alma é retirada. Se antes isso era enxergado com receio, os depoentes comemoram este acontecimento, no sentido de que eles podem continuar ensinando após as suas respetivas mortes: "cinema é espírito. Quando somos filmados, nosso espírito continua vivo"!


Em termos técnicos, alguns "defeitos" podem ser notados: a montagem é confusa e as legendas possuem diversos erros de concordância e grafia. Mas esses defeitos mais uma vez denunciam o ímpeto colonizatório, no sentido de que eles evidenciam uma tentativa de expressão que é também sobrevivencial. O diretor registra alguns enterros e explica que, em sua aldeia, o luto é cumprido através de práticas distintas (raspando-se os cabelos, por exemplo). Imagens de várias obras do diretor são apresentadas, reiterando a suma importância do projeto que o capacitou audiovisualmente. No discurso das pessoas filmadas - que estão "onde nasce o Sol" -, a esperança é a de que a pandemia será completamente expelida, após o consentimento massivo dos indígenas em relação à vacinação. A pergunta do título é direcionada a nós, portanto, com um elemento adicional: acerca de qual vírus estamos falando?



Wesley Pereira de Castro. 

Nenhum comentário: