No início, uma citação de Guimarães Rosa [1908-1967]; no desfecho, uma de Fernando Pessoa [1888-1935]. Entre uma e outra, referências ao mar, à saudade, à maternidade. Partindo desses temas afins, a diretora alinhava relatos de mulheres, crianças e também homens, ao longo de três continentes: em Portugal, ouvimos o escritor Valter Hugo Mãe; no Brasil, Martinho da Vila cantarola num barco; e, em Cabo Verde, um grupo de jovens confecciona instrumentos musicais, enquanto uma senhora relembra o processo de independência da ilha. Em todas as seqüências, as ondas do mar quebrando na praia...
Obedecendo a uma estrutura similar de eventos em cada um dos países, Anna Azevedo dota o seu filme de extrema poesia, seja quando viúvas portuguesas refletem a sobre a importância das vestimentas pretas no processo de enlutamento, seja quando mães que perderam seus filhos, nas favelas do Rio de Janeiro, dignificam as lembranças de seus entes queridos. A vereadora assassinada Marielle Franco [1979-2018] é evocada enquanto símbolo de persistência. Uma das entrevistadas comenta o quão doloroso foram os desaparecimentos políticos ocorridos durante a ditadura militar, visto que o luto era impossibilitado pela ausência dos corpos. Saudade é algo que perpassa tudo isso!
O título do filme é extraído da fala poderosa de adolescentes que fazem rimas após a leitura da Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita em 1500: eles comemoram o fato de serem uma geração com alguma esperança, enquanto praticam movimentos de capoeira. A fotografia é belíssima, servindo-se de imagens em contra-luz e de enquadramentos primorosos, como o das inúmeras cruzes num cemitério improvisado à beira-mar ou o do pé de um indígena coberto de barro ressecado. Compartilhamos os sentimentos descritos pelos europeus, sul-americanos e africanos lusófonos, no que tange à falta que sentimos de quem amamos - e que, por algum motivo, não está mais ao nosso lado. A tristeza possui a sua beleza inequívoca também...
Wesley Pereira de Castro.
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