sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Festival de Brasília 2021: ACASO (2021, de Luís Jungmann Girafa)


É sempre bem-vindo quando um realizador ousa trazer à tona uma estrutura experimental de narrativa, mas o sobejo de pretensões pode estragar o resultado: em diversos momentos desse filme, por exemplo, parece que estamos diante de uma videoinstalação conduzida pelo Sérgio Bianchi, tamanha a quantidade de ressentimento que emana dos personagens. Estrangeiros, hedonistas, mentalmente perturbados, eles encontram uma via de convergência na mulher gentil (e poliglota) que vende caixinhas de música em plena rua. E, no desfecho, um consolo egrégio: as cores surgem na tela, e a narração de Roberto Machado comenta: "num dia qualquer, algo de definitivo acontece".


Ainda que a tessitura dos encontros fortuitos, enquanto ideário, possua um charme inquestionável, os personagens deste filme são, em sua maioria, ostensivamente desagradáveis. Desajustados voluntários, eles gritam nas ruas, cantam, compartilham com o espectador estórias pessoais: um deles assassinou a mãe de criação; outra fugiu de um casamento aprisionador; um terceiro comemora o fato de ter se livrado, por uma única senha, do alistamento militar obrigatório, nos EUA, durante a Guerra do Vietnã... Todos eles interagem com as peculiaridades da cidade de Brasília, acrescentando ao enredo detalhes que carecem de comprovação local. A lógica citadina aparece como personagem adicional, desorganizado, em razão de o diretor (estreante em longas-metragens) ser também arquiteto. É um filme-tese!


Apesar de seus intentos comprobatórios, o filme malogra justamente por ter se tornado obsoleto muito rápido: tendo sido filmado em 2017, os gritos de "Fora Temer", que são pichados nas paredes e pronunciados por alguns dos personagens, demonstram-se vãos. Idem quanto à reclamação um tanto petulante da jovem que critica um artista por pertencer à "geração da utopia". Os monólogos e diálogos são atravessados pela bazófia e pelo desdém. Cabe à vendedora de caixinhas de música alguma conciliação, ao ofertar gratuitamente os produtos que são comumente furtados. O elenco é competente e a trilha musical é muito boa, mas algo desanda no conjunto: é um filme que tematiza a incomunicabilidade urbana, mas que comunica-se precariamente, enquanto linguagem. Vale enquanto tentativa, ao menos: os brasilienses, com certeza, compreenderão bem melhor o filme! 


Wesley Pereira de Castro. 

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