segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

A PRAIA DO FIM DO MUNDO (2021, de Petrus Cariry)


 A cada novo trabalho do cineasta cearense Petrus Cariry, confirmamos que ele é um esteta: o cuidado minucioso com a fotografia (que extrai o máximo de expressividade das belezas naturais) e o desenho de som (que transporta-nos a diversas atmosferas) faz com que o filme transcenda as suas eventuais restrições tramáticas. Ou melhor, a insistência do diretor em fazer com que seus enredos sejam apenas pontos de partida: o que importa são as relações entre as pessoas e o ambiente circundante. Neste caso, a praia de Ciarema é um personagem próprio, a verdadeira protagonista do filme, conforme o próprio título antecipa!


Numa casa prestes a desabar - uma pousada que faliu, e que está à mercê da proximidade agressiva das ondas - vivem uma mãe e uma filha: a primeira, interpretada por Marcélia Cartaxo, é introspectiva e tão afeiçoada a memórias internamente preservadas que gasta parte do seu tempo rasgando fotografias antigas. Insiste em permanecer na casa erigida por seus familiares; a segunda, entretanto, quer sair dali o quanto antes. Envolve-se com as questões políticas locais e luta para fazer com que sua mãe conte algo sobre seu pai, que desapareceu no mar quando ela ainda era pequena. As lembranças que ela tem são fugidias, de modo que associa o amor à ausência, algo que também manifesta-se na gravidez que ela adquire, de um homem que nunca aparece. Onde elas vivem, a única presença masculina é a de um mendigo (Carlos César) que perambula pelas pedras, catando material reciclável. Seria ele o pai desaparecido de Alice (Fátima Macedo)?


Apesar de declarar a uma amiga que sente muito amor por sua mãe, a relação entre elas é tumultuada, geralmente marcada por diálogos rudes: a mãe sente-se invadida pelos cuidados da filha, impedindo inclusive que ela adentre o seu quarto. Neste cômodo, um escafandro direciona-nos a breves instantes de fuga, onde ouvimos ruídos submarinos, condizentes com as metáforas recorrentes envolvendo cetáceos, que obsedam Alice. Nos momentos mais fascinantes do filme, destaca-se a voz solene de Marcélia Cartaxo, sobre um fundo negro. A água não pára de jorrar na varanda das personagens, num cenário de abandono que faz com que o lugar pareça "um favelão classe média", como diz a personagem de Larissa Góes, que também desaparecerá. No desfecho, a opção pelo mistério: a diegese torna quase obrigatório que as baleias voem!


Wesley Pereira de Castro. 

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